quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Carmen Balesteros: Marcas de Simbologia Religiosa Judaica e Cristã.

Cortesia de callipole
Marcas de Simbologia Religiosa Judaica e Cristã. Para o levantamento prévio em povoações da raia portuguesa e espanhola. Carmen Balesteros, Callipole, revista cultural, nº 3/4, 1995/1996

«Começámos por nos debruçar sobre esta questão aquando do estudo desenvolvido sobre a Judiaria e a Sinagoga de Castelo de Vide, e não pudemos ficar-lhe indiferentes quando estudámos a Sinagoga de Valência de Alcântara-Cáceres.
No decorrer do estudo sobre a Sinagoga Medieval de Évora, verificámos existirem no núcleo urbano medieval da cidade algumas constantes identificadas nos casos anteriores, no que diz respeito entre outras coisas, à existência de marcas de simbologia religiosa com um discurso simbólico e estético muito semelhante. Assim sendo, consideramos justificar-se um estudo específico do assunto.

Sobre a questão específica das Marcas de Simbologia Religiosa Judaica e Cristão importa agora juntar os dados obtidos pelo alargamento da área de investigação às povoações de Vila Viçosa, Elvas, Monsaraz, Redondo, Borba, Alandroal.

Cortesia de callipole

As marcas de simbologia religiosa judaica e cristã sobre as quais nos debruçámos, ocorrem sobretudo em ombreiras de porta ou de janela, permitindo-nos os levantamentos até agora realizados, a elaboração de uma tipologia genérica mas que aponta para uma divisão das marcas identificadas em quatro grupos:
  • As marcas nas mezuzot;
  • As marcas longitudinais;
  • As cruzes cristãs;
  • As abreviaturas católicas.
Até agora, as marcas menos frequentes são as marcas nas mezuzot e as abreviaturas católicas, estas ainda menos que aquelas. As marcas que nos parecem resultar da prática judaica de marcar as ombreiras das portas, ou marcas nas mezuzot, foram localizadas, até agora, em Évora, Monsaraz, Castelo de Vide e Albuquerque (Espanha), ao passo que as marcas longitudinais e as cruzes cristãs revelam, em contrapartida, uma frequência e uma dispersão geográfica significativamente maiores. As marcas identificáveis nas quatro localidades referidas são bastante semelhantes entre si, tratando-se de concavidades de cerca de 10 cm de altura por 2 cm de largura e o mesmo de espessura, abertas todas elas em portadas graníticas a uma altura do chão que varia naturalmente, em função das dimensões da respectiva porta. Em qualquer dos casos, a localização da concavidade possibilita(va) que uma pessoa de estatura média a pudesse tocar ao ultrapassar a porta.

Cortesia de callipole

As concavidades destinavam-se a guardar um pequeno estojo que continha no seu interior um rolo de pergaminho ou papel no qual se inscreviam as palavras do Shemá, oração fundamental o culto judaico, elaborada a partir das palavras de Deuteronómio ou de Êxodo.
Para além da total adesão íntima e pessoal à fé monoteísta, e da necessidade do esforço de transmissão no espaço do núcleo familiar do credo religioso monoteísta, pressupostos pelo texto sagrado, apela-se ainda à utilização de sinais exteriores no corpo humano mas também nos umbrais da casa, que marquem e lembrem constantemente aos seus utilizadores a fé que os identifica.
( … )
Um outro género de marcas é constituído pelas cruzes cristãs e abreviaturas católicas, cujo significado simbólico se torna de mais fácil e rápida identificação. Até agora, os núcleos urbanos antigos onde encontrámos as maiores frequências deste género de marcas foram os de Valência de Alcântara-Cáceres, Alpalhão e Trancoso, ainda que nesta e noutras localidades tenhamos também identificado alguns dos outros géneros de marcas já referidos. Se bem que a informação disponível não aponte para uma significativa presença judaica medieval em Alpalhão, o mesmo não podemos dizer de Trancoso, terra do sapateiro Bandarra, ou de Valência de Alcântara, onde se casaram D. Manuel I e a infanta D. Isabel, filha de Fernando e Isabel, os Reis Católicos, existido em ambas as localidades comunas judaicas que possuíram as suas sinagogas.


Cortesia de callipole

A preocupação de cristianizar os espaços encontra-se nas casas, nas fortificações, ou mesmo noutros espaços públicos vitais como as fontes, como é o caso da fonte da praça Martim Afonso em Vila Viçosa, onde a base quadrangular de três das colunas marmóreas, apresenta a marcação de várias cruzes». In Carmen Balesteros, Callipole, revista cultural, nº 3/4, 1995/1996.

Cortesia de callipole
Cortesia de Callipole/Vila Viçosa