sábado, 11 de dezembro de 2010

Painel de São Vicente de Fora. Nuno Gonçalves: Parte I, Nuno Gonçalvese Painel dos Pescadores. Uma obra-prima da pintura portuguesa do século XV, pintada a óleo entre 1470 e 1480

Cortesia de wikipédia

O Painel de São Vicente de Fora é um obra composta por 6 painéis, criada essencialmente pelo pintor português Nuno Gonçalves entre 1470 e 1480. Pintura a óleo e têmpera sobre madeira e está no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa.

Uma obra-prima da pintura portuguesa do século XV na qual, com um estilo bastante seco mas poderosamente realista, se retratam figuras proeminentes da corte portuguesa de então, incluindo o que se presume ser um auto-retrato, e  «atravessa» toda a sociedade, da nobreza e clero até ao povo. A autoria desses painéis, foi descoberta por José de Figueiredo.
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Investigações recentes, nomeadamente de Jorge Filipe de Almeida levam a concluir que os painéis foram pintados realmente por Nuno Gonçalves, cerca de 1445 e representam não S. Vicente, mas o funeral simbólico do Infante Santo.

Painel dos Frades
Um dos 6 que constituem os Painéis de São Vicente de Fora. É o primeiro painel do políptico a contar da esquerda. Nele estão representados membros do clero regular, parte do clero onde se incluem monges, frades, etc. Em suma, nesta facção do clero incluem-se todos os religiosos praticantes do monasticismo. Inicialmente este painel estava ligado com o da Relíquia, porém, aquando da restauração da obra em 1909, por Luciano Freire, estes dois foram separados. As personagens representadas são identificadas como sendo cistercienses de Alcobaça por se apresentarem de hábito branco, tendo sido adiantadas outras hipóteses, tal como se tratarem dos Agostinhos regulares do Mosteiro de S. Vicente de Fora.
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Existem neste painel 2 elementos a destacar, tanto pela sua simbologia como pela sua representação ambígua. Em primeiro lugar, o espaço obscuro que se apresenta no canto superior direito. Crê-se que possa ser uma árvore, um tronco, uma cruz ou ainda, esta mais ligada à veneração a S. Vicente, uma tampa de caixão ou um leito de pregos (objectos relacionáveis com S. Vicente). Devido à representação é muito difícil dizer ao certo do que se trata, pode apenas dizer-se que não é de certo um espaço escuro apenas, pois na pintura, ao contrário da fotografia, por exemplo, cada espaço é alvo da atenção e trabalho de quem executa a obra, e portanto, se o vazio ali criado está presente é porque o autor assim o quis impondo nele uma carga simbólia, que até hoje ainda não foi desvendada.

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O segundo elemento de representação difusa trata-se do objecto carregado pela personagem que se apresenta vestida de verde no canto superior esquerdo. Nas suas mãos aparece um objecto escuro de contornos precisos que pode ser intrepretado como sendo um barrete semelhante ao do frade que se apresenta de barbas. Porém, mais uma vez a veneração vicentina não pode ser deixada de parte na análise simbólica dos elementos do painel, e devido a tal facto, o objecto pode ser intrepretado como sendo uma das relíquias de S. Vicente tapada por um pano escuro. O estar coberta pode dever-se à tentativa de esconder a identidade da relíquia que poderia facilmente ser identificada por algum fiel, mesmo estando esta dentro de um relicário.

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Há que notar ainda um outro pormenor que pode passar despercebido devido à cor escolhida para o representar. A mesma personagem que segura o barrete/relíquia tem sobre a cabeça o que se pode dizer que seja uma calota cor de carne (o que excluirá de imediato que o barrete que segura fosse seu), mas a forma que o cabelo toma na franja e nos flancos pode indicar que seja apenas calvície.

Painel dos Pescadores
É o segundo do políptico a contar da esquerda. Nele estão representados pescadores, ou seja, membros do povo anónimo, raramente representados em obras desta época. Nota-se por isso uma preocupação social do autor em representar as várias classes socias da época. A referência aos pescadores é contudo indirecta, isto é, pode tratar-se de uma alusão aos navegadores portugueses. Inicialmente este painel estava ligado ao dos Cavaleiros, porém, aquando da restauração da obra em 1909, estes dois foram separados.


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Existem neste painel 3 elementos que podem dar uma carga simbólica diferente da esperada, depois de serem analisados. Em primeiro lugar deve destacar-se a rede de pesca que envolve três dos sete homens do painel. Esse facto pode ser interpretado de diferentes formas. Num acto de malícia ou apenas de ironia o autor poderia estar a envolver na rede navegadores ilustres referindo-se assim à «pesca humana» levada a cabo em África durante os Descobrimentos. Porém, essa «pesca humana» não se destinava ao navegadores mas sim a escravos negros. Na realidade pode apenas pensar-se que as redes estão assim colocadas porque os pescadores ao transportá-las levavam-nas ao ombro, não transparecendo qualquer tipo de referência maldosa ou não, mas apenas para identificação das personagens como sendo pescadores. Existe no entanto um dado que não pode ser ignorado na análise da rede de pesca; o facto de a malha da rede não ser observável no registo radioscópico do painel pode sugerir que este elemento tenha sido acrescentado posteriormente por outra pessoa que não o autor original. Dessa forma consegue também explicar-se a escassez de pigmentos cromáticos e a técnica rápida e pouco persistente utilizada para pintar tal objecto. De notar ainda que as 3 personagens que estão envoltas na rede envergam a cor verde, embora em tonalidades diferentes;
  • as duas figuras que se situam na frente evidenciam com clareza a cor verde das suas vestes, a terceira, atrás destas duas, revela a cor em questão num pequeno pormenor que pode passar despercebido aos mais desatentos. Um triângulo verde claro debaixo do «capuz» da figura central sugere que essa terceira personagem envergue uma toga;
  • pode ser descutido que tal elemento pertece ao tal «capuz», mas após uma análise ao recorte do mesmo nota-se que seria difícil existir um troço que pendesse de tal forma.

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O segundo elemento a destacar é a figura prostrada vestida de castanho. É de difícil análise a sua posição perante as outras três, vestidas de verde, em primeiro plano, e também o facto de envergar uma cor diferente nas suas vestes. Além do mais, o facto de estar a rezar em direcção ao observador e não à figura central da obra, a qual deveria ser motivo da sua adoração, deixa também algumas dúvidas por esclarecer. Por último ainda há a destacar o rosário utilizado por essa personagem. As contas todas elas iguais podem apontar para o facto de esse rosário ser feito a partir de vértebras de peixe. De notar a possível sintonia entre as contas desse objecto e as bóias de cortiça da rede de pesca.

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Cortesia de wikipédia/JDACT