quarta-feira, 3 de abril de 2013

A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina. José Augusto França. «… prevendo para cada uma dessas ruas a mesma simetria em portas, janelas e alturas, conforme desenhos do capitão Eugénio dos Santos Carvalho. Aqui aparece concretizado o conceito da “Baixa” regular…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Os Programas de Manuel da Maia
«Na altura da redacção da segunda parte do memorial, mais de dois meses depois, Manuel da Maia soubera já que fora escolhido o programa de reedificação integral da parte baixa da antiga cidade, e age em consequência, ou força a nota, para arredar qualquer hipótese de meias-medidas: é, sem dúvida, melhor arrasar e renovar toda a cidade baixa do que conservar as ruas largas e alargar as estreitas. Os problemas de carácter económico e social postos pela realização de tal programa preocupam-no, então, mais positivamente e procura encontrar o meio mais ajustado para os resolver. A sua sugestão é definir, por avaliação de todo o terreno anteriormente construído, o valor duma unidade padrão (vara, ou palmo quadrado); cada proprietário teria direito a tanto no terreno da nova edificação como no anterior, podendo negociá-lo e comprar ou vender partes dos novos edifícios a construir em parcelas de terreno de seu crédito. Não tendo o tombo realizado incluído valores mas apenas medidas (como mais tarde se dará conta), a solução, menos perfeita, será trocar as áreas perdidas por outras equivalentes, deduzindo espaço de ruas ou praças que, na realidade, constituem valorização da propriedade. Fica entendido que as novas áreas serão vizinhas das anteriores, do lado do Rossio ou do lado do Terreiro do Paço.
Em casos de acordo impossível, caberá ao rei (ou ao Senado, como mais tarde dirá) construir por sua conta, indemnizando os proprietários. E as dificuldades, como ele prevê, crescerão pelo facto da uniformidade imposta aos novos edifícios, que certamente obrigarão a permutas. Manuel da Maia fala, então, numa planta nova com as ruas livremente desenhadas, prevendo para cada uma dessas ruas a mesma simetria em portas, janelas e alturas, conforme desenhos que o arquitecto do Senado da cidade, o capitão Eugénio dos Santos Carvalho fornecerá. Aqui aparece concretizado o conceito da Baixa regular, e se anuncia o nome do arquitecto que por ela se responsabilizará, e, por mais ainda, no desenvolvimento futuro dos planos. Porque se o engenheiro-mor tem moralmente por impraticável a renovação inteira de Lisboa, em todas as suas freguesias, não deixa de sentir, em imaginação, que, depois de vencida a reformação da cidade baixa, se possa com maior segurança empreender o que
agora tanto se dificulta
A terceira parte da dissertação de Manuel da Maia serviu fundamentalmente para acompanhar seis plantas da parte central da cidade propostas à apreciação e escolha do rei, ou de Pombal, e ainda quatro modelos de fachadas, um deles destinado ao Terreiro do Paço, documentos hoje perdidos. Adiante estudaremos as plantas; retenhamos apenas aqui que duas delas, tal como os desenhos das fachadas, são da responsabilidade de Eugénio dos Santos. E observemos que, na data em que foram entregues (19 de Abril), já Maia (9 do mesmo mês) tinha encarregado Eugénio dos Santos, com outros dois arquitectos, de estudar um plano de urbanização muito mais vasto, a noroeste da Baixa, como se a sua imaginação pudesse tomar corpo…
No mesmo texto, o engenheiro-mor preocupa-se sobretudo com aspectos técnicos, nomeadamente aqueles que dizem respeito à saúde pública e à comodidade dos habitantes da nova cidade. São os problemas dos esgotos que imediatamente aborda, defendendo a ideia de construir cloacas nas ruas principais, que receberiam as imundícies dos edifícios fronteiros; solução dispendiosa, porém, que poderia ser substituída por outra, mais tradicional, de fazer recolher todas as manhãs os despejos lançados pelas janelas, ou outra ainda, mais económica por um lado e mais cara por outro: de recolher uma só vez ao ano os lixos e superficialidades sólidas que se iriam acumulando em alfúgeres de cinco ou seis palmos, abertos entre cada duas ruas e as duas ordens de edifícios que as constituem, o que não deixava de diminuir os terrenos, e obrigaria a colocar vidraças nas janelas, para proteger os habitantes dos maus cheiros… Ainda para bem da saúde pública, Maia ocupa-se das fontes que desejaria multiplicar pela cidade, admitindo mesmo o melhoramento, que não acha supérfluo, de cada casa possuir a sua conduta de água. Em compensação não lhe parece aconselhável o exemplo inglês de construir passeios nas ruas, com considerável despesa de conservação e consumo de muito terreno, o que acarretaria protestos certos dos proprietários». In José Augusto França, A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina, Director da Publicação António Quadros, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Minerva do Comércio, Instituto Camões, 1986.

Cortesia de I. Camões/JDACT