sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Duas Estratégias Divergentes na Busca das Índias. D. João II vs Colombo. José M. Garcia. «Vimos também pequenas lanças feitas de canas, com pontas agudíssimas, que os etíopes chamam azagaias, arcos, bestas (?), e dardos, com agudíssimas pontas de ferro»

Cortesia de wikipedia e jdact

As canas nos testemunhos de Martin Behaim e Jerónimo Münzer
«(…) O registo deste episódio encontra-se no seguinte trecho do seu Itinerário com a descrição da viagem a Espanha e Portugal, que transcrevemos com a sua tradução portuguesa.

Texto do Itinerário de Jerónimo Münzer sobre a sua visita ao Santuário de Nossa Senhora da Luz a 30 de Novembro de 1494. Tradução portuguesa:
Domingo, que era o ultimo dia de Novembro, fomos a Santa Maria da Luz, que fica a uma milha de Lisboa, que é ali muito conhecida pelos seus milagres. Aí vimos um bico de pelicano, que é semelhante ao do onocratalo, embora não tão largo; tem uma grande bolsa à altura do orifício do estômago; é menor que o cisne e maior que o ganso e todas as suas plumas são cinzentas. Abunda na Guiné. Vimos também cenas das que as tempestades do mar lançam do Oriente para as ilhas da Madeira e do Faial. Vimos duas, uma das quais media 16 palmos e tinha e grossura do meu pulso, tendo os internódios o comprimento de uma braça. Por isto acredito no que diz Plínio no livro VI sobre a grandeza das canas. Vimos também pequenas lanças feitas de canas, com pontas agudíssimas, que os etíopes chamam azagaias, arcos, bestas (?), e dardos, com agudíssimas pontas de ferro, tudo feito com canas. Vimos ainda um pequeno crocodilo. Vimos igualmente umas serras, que são os bicos de uns peixes enormes, à maneira de uma serra feita de osso duríssimo, com a qual aqueles peixes cortam as madeiras dos navios como com uma serra. Vimos tais serras que são duríssimas e mediam um palmo de largura por duas braças de comprimento.

Neste texto é de realçar a referências às canas das que as tempestades do mar lançam do Oriente para as ilhas da Madeira e do Faial, de que Münzer viu duas, uma das quais tinha cerca de 3,5 metros, tendo entre os nós cerca de 1,76 metros, com a grossura de um pulso, descrição mais completa do que a de Colombo, pois na versão transmitida pelo seu filho Fernando Colombo limita-se a dizer serem as canas muito grossas, calculando que entre um nó e outro caberiam nove garrafas de vinho. Estas canas foram consideradas pelos portugueses como objectos dignos de admiração por isso as guardaram na igreja de Nossa Senhora da Luz, onde entre cerca de 1483 e 1494 despertaram a atenção de pessoas interessadas por assuntos de geografia, com destaque para os defensores da tese da existência de terras orientais a que se poderia chegar navegando rumo a ocidente.
A igreja de Nossa Senhora da Luz é um local de culto inaugurado a 8 de Setembro de 1464 por Afonso V na sequência de um alegado milagre ali ocorrido junto da Fonte da Machada. Foi neste local que desde então se formou uma espécie de museu de objectos curiosos ligados ao mar e terras exóticas que foram oferecidos por mareantes devotos (sobre a igreja de Santa Maria da Luz a obra mais importante é a do padre frei Roque do Soveral). A igreja em causa ficava em Carnide, uma aldeia situada a uns seis quilómetros da actual Praça do Comércio, onde havia uma residência por onde passaram ocasionalmente alguns reis portugueses, dos monarcas Duarte a Manuel I, da qual não restam vestígios.
Foi nesta igreja de Nossa Senhora da Luz que João II mandou mostrar a Colombo as canas que tanto o entusiasmavam, pois alguém as mandara ali guardar ao lado de outros objectos estranhos como eram aqueles que chamaram a atenção de Münzer. As canas vistas por Colombo em 1483 foram as mesmas que Münzer viu em 1494, pois se elas estivessem noutro lugar de Lisboa este último tê-lo-ia mencionado e não se teria deslocado expressamente a Carnide para as ver, não sendo provável que numa década tivessem mudado de sítio.

O rei João II em Carnide em 1483
Tendo em conta o texto escrito por Fernando Colombo e as restantes observações que alinhámos sobre as canas fomos levados à formulação da hipótese de que Colombo as terá visto em Carnide, por ser aí que elas se guardavam, e de ter sido também aí que falou com João II a propósito da possibilidade de se poder chegar ao Oriente por um rumo ocidental». In José Manuel Garcia, D. João II vs Colombo, Duas Estratégias divergentes na busca das Índias, Quidnovi, 2012, Vila do Conde, ISBN 978-989-554-912-2.

Cortesia de Quidnovi/JDACT