sexta-feira, 31 de março de 2017

A Conquista de Ceuta no 31. 1415. João Monteiro e António Costa. « João I ficou impressionado, agradeceu e recompensou os seus emissários, posto o que mandou destruir o modelo, para não comprometer o sigilo da operação»

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«(…) Tudo somado, valia a pena arriscar o empreendimento, tanto mais que os infantes o desejavam ardentemente e muita outra fidalguia jovem ameaçava colocar-se ao serviço de Castela para alcançar a glória que só os feitos de armas conferem aos mais nobres. Não me canso de imaginar a alegria dos infantes com esta decisão, mas também a responsabilidade que sentiram de a planificar de uma forma cuidadosa. De resto, João I era um guerreiro muitíssimo experiente e astuto e, logo no Verão de 1412, tratou de organizar um estratagema que lhe permitiu recolher informações preciosas sobre a cidade a assaltar. Naquele dia 24 de Julho de 1415, enquanto ultimavam os preparativos da frota no Restelo, contou-me João Gomes Silva como o capitão-mor Afonso Furtado e o prior do Hospital recordavam orgulhosamente a missão de espionagem que tinham levado a cabo: simularam que iam à Sicília propor à rainha viúva, dona Branca, que em vez de se casar com o infante Duarte, herdeiro do trono de Portugal, contraísse antes matrimónio com o infante Pedro; a corre lusitana sabia que o mais certo seria a proposta ser recusada, mas isso de nada importava, pois o verdadeiro objectivo da missão era aportar, à ida e à vinda, em Ceuta e inspeccionar as defesas da cidade, os locais mais adequados para a frota desembarcar e todos os detalhes relevantes! Os espiões assim fizeram, sem serem notados nem de dia nem de noite, e logo que regressaram fecharam-se com o monarca e com os infantes mais velhos num dos aposentos reais e organizaram uma sessão inesquecível: com duas cargas de areia, um novelo de fita, meio alqueire de favas e uma escudela, improvisaram uma réplica da cidade, desenhando as torres, a muralha, o terreno e os seus declives, e tudo o mais que interessava saber a quem preparava um ataque em força à rica cidade de Ceuta.
João I ficou impressionado, agradeceu e recompensou os seus emissários, posto o que mandou destruir o modelo, para não comprometer o sigilo da operação. A seguir, tratou de garantir a aprovação da rainha dona Filipa (que os infantes convenceram sem dificuldade, salvo no que tocava à participação do próprio marido na campanha) e do velho condestável Nuno Álvares Pereira, um homem de enorme autoridade e que discretamente abordaram, com sucesso, durante uma montaria (desenfadamento que el-rei prezava acima de todos os outros) organizada no Alentejo, um hábil estratagema utilizado para prolongar o segredo em torno do projecto.
Com a bênção do rei, da rainha e do condestável, os infantes podiam agora pôr os preparativos em marcha: nas taracenas (os estaleiros), averiguaram quantos navios havia e como estavam reparados; mandaram cortar madeira para refazimento de algumas galés e fustas e trataram de aparelhar carpinteiros e calafates que colaborassem nisto; deram ordens para que se recolhesse quanto cobre e prata havia no reino e para que se mandasse trazer mais de fora, através de um bom acordo com os mercadores, com o que em breve se reuniu bastante quantidade de metal. Contou-me João Afonso, o vedor da fazenda, que, aflito com a situação das finanças régias, sugerira aos infantes um ataque a Ceuta, como ele próprio tratou logo de prover as rendas da cidade e como falou com o tesoureiro da moeda, Rui Pires Alandroal, embora sem lhe revelar o segredo da expedição; assim, logo ficaram a postos os fornos da moeda e esta pôde começar a ser cunhada, de dia e de noite. Quanto ao almirante, descendente dos famosos Pessanha de Génova que haviam vindo para Portugal ao tempo d'el-rei Dinis I, foi avisado para prover todos os mareantes, cada qual em seu estado.
A par de todo o negócio teve de ficar também o escrivão da puridade (primeiro ministro) do rei, Gonçalo Lourenço Gomide, que mandou fazer cartas em nome do monarca para o escrivão dos dinheiros (os maravedis) e para todos os oficiais, coudéis e anadéis (com autoridade sobre os aquantiados das cidades, vilas e aldeias do reino e sobre os besteiros do conto), para que logo organizassem as suas revistas às tropas (os alardos); depois, enviariam a João I os cadernos deles, com indicações precisas sobre o número de homens disponíveis para a campanha, as suas idades e o equipamento de que dispunham para servir a Coroa». In João Gouveia Monteiro e António Martins Costa, 1415, A Conquista de Ceuta, Manuscrito, 2015, ISBN 978-989-881-804-1.

Cortesia de Manuscrito/JDACT