sábado, 11 de março de 2017

A Profecia de Istambul. Alberto S. Santos. «Só contigo! Não é necessário que seja com eles... Rosita, por favor!... Os dois adolescentes infundiam-se de recíprocos afectos…»

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O Pacto de Melchior. ... Cerca de 250 anos depois; Março de 1554
«(…) Hoje, apareceu assim... Esse rapaz tem a cabeça noutro lugar...! Rodrigo era velho e mouco, mas carregado de razão. Chegada a hora, Jaime foi o primeiro a acabar o almoço. percebendo a ansiedade do aprendiz, deixou-o sair mais cedo da mesa de sua casa, onde comia, como paga dos serviços, todas as vezes que ali se deslocava. O idoso cirurgião já lhe havia arrancado o motivo de tanta inquietação, que não passava de uma brincadeira combinada com os amigos, para aquela mesma tarde. Jaime só não contara a parte da visita ao ermitão que vivia na serra Morena, pois, se o fizesse, haveria de ser imediatamente desencorajado, ou mesmo impedido de tão temerária iniciativa. À hora prevista, os três adolescentes estavam no local certo. Três, não: quatro! Rosita, não podes ir connosco!, dizia Jaime, perante o ar reprovador dos amigos, que lhe tinham sublinhado que a missão era secreta. Isto é só para rapazes, e eles não permitem... Vá lá, Jaime, eu também quero fazer esse pacto... Só contigo! Não é necessário que seja com eles... Rosita, por favor!... Os dois adolescentes infundiam-se de recíprocos afectos, procurando todos os momentos para estarem juntos, naquela estância de Rosa, em Córdova. Ambos iriam partir para destinos diferentes, por uma nova indefinida temporada. Bem sabes que vou estar muito tempo fora, na Berberia, com o meu pai adoptivo... E tu vais estudar para Salamanca. Quero tanto ficar ligada a ti, Jaime... Por um pacto que nos una! Jaime cegou-se nos olhos verdes orientais obliquamente recortados na pele tisnada, o que lhe conferia um ar exótico debaixo dos cachos de cabelos negros. Os amigos sabiam que entre aqueles dois coabitava muito mais do que a pura amizade. Mas olhavam-nos com ar reprovador.Não estavam ali para brincar aos amores adolescentes, muito menos para que uma rapariga, mesmo sendo tutelada pelo poderoso conde de Alcaudete, pusesse em causa o desígnio traçado para aquela tarde. Rosita, falamos por estes dias, antes de partires para Orão. Haveremos de encontrar outra forma... E faremos o nosso pacto, prometo-te! Sabes como estou apaixonado por ti!... Ela derramou um olhar desvanecido sobre o petiz, mas manteve-se silente e amuada. Vá lá, Rosita!, insistiu, pondo o indicador, arqueado, sobre a ponta do nariz e inclinando levemente a cabeça para o lado direito. Entende que, agora, tenho de a fazer com eles... A jovem fixou-o intensamente, fez uma pequena vénia, virou as costas e desapareceu, na primeira esquina, com a pressa dos ofendidos.
Os catorze anos enchiam o coração dos três rapazes de ânimo por aventuras, enquanto se dirigiam, apressadamente, à Serra Morena, e crescia neles a ânsia de se prepararem para um futuro de tantas façanhas. Nos primeiros momentos, Jaime seguiu cabisbaixo, com as palavras e atitudes de Rosa ainda frescas. Haveria de remediar, logo que possível, aquela ferida. Rosa tinha razão: iriam deixar de se ver, durante uma longa temporada. E ele também desejava aquele pacto com a rapariga que lhe descompunha a alma e o sossego. Simão, o português, vivia em Córdova há cerca de um ano. Era um rapaz moreno, de silhueta e feições magras e longilíneas, cabelo azeviche como os olhos, filho de um mercador português que comerciava no mundo mediterrânico, inclusivé com o otomano, bem como no Novo Mundo, e que havia saído em prolongada viagem. Como a mãe morrera, durante o seu parto, ficara aos cuidados da tia, casada com um cordovês. Mas, na semana anterior, recebera correio do pai a avisar que deveria embarcar no porto de Sevilha, a seguir à Páscoa, pois acabara de chegar a Lisboa. Foi o pequeno português que, então, entusiasmou os amigos a visitarem Melchior, o anacoreta que vivia numa cabana da serra cordovesa.
Ele sabe prever o futuro e como fazer um verdadeiro pacto de sangue!, convencera-os, depois de todos pretenderem jurar, entre si, uma amizade eterna, assim que souberam do seu anunciado regresso a Portugal. Fui lá, em segredo, com a minha tia, quando andava de humores malignos, depois da morte do irmão. Dizia que queria falar com o meu tio, no Além... E como é esse homem?|, questionara Jaime Pantoja, com um brilho no olhar. É um velho de barbas brancas... Dizem que é louco; por isso, pouca gente lhe dá atenção. Mas ele conhece muitos segredos!» In Alberto S. Santos, A Profecia de Istambul, Porto Editora, 2010, ISBN 978-972-004-103-6. 
Cortesia de PEditora/JDACT