sábado, 15 de agosto de 2020

O Elo de Alexandria. Steve Berry. «Compartilhar o quê? O guardião balançou a cabeça. Isso é só para ele. Ele morreu. O que significa que outro convidado será escolhido»

Cortesia de wikipedia e jdact

 Palestina. Abril de 1948

«A paciência de George Haddad acabou enquanto olhava furioso para o homem amarrado à cadeira. Da mesma forma que ele, o prisioneiro tinha pele morena, nariz aquilino e os olhos castanhos fundos de um sírio ou libanês. Mas naquele homem havia algo de que Haddad simplesmente não gostava. Só vou perguntar mais uma vez. Quem é você? Os soldados de Haddad haviam apanhado o estranho havia três horas, pouco antes do amanhecer. Ele estivera andando sozinho, desarmado. O que era idiotice. Desde que, no mês de Novembro anterior, os ingleses haviam decidido dividir a Palestina em dois Estados, um árabe e o outro judeu, a guerra entre os dois lados explodira. No entanto, aquele idiota havia entrado directo numa fortaleza árabe, sem oferecer resistência, e não tinha dito nada desde que fora amarrado à cadeira. Ouviu idiota? Eu perguntei quem você é, disse Haddad em árabe, que o sujeito obviamente entendia. Sou um Guardião. A resposta não significou nada. O que é isso? Somos guardiões do conhecimento. Haddad não estava com clima para charadas. Ainda na véspera clandestinos judeus haviam atacado um povoado próximo. Quarenta palestinos, homens e mulheres, tinham sido arrebanhados até uma pedreira e mortos a tiros. Nada incomum. Os árabes estavam sendo sistematicamente assassinados e expulsos. A terra que suas famílias haviam ocupado por 1.600 anos estava sendo confiscada. A nakba, a catástrofe, estava acontecendo. Haddad precisava estar lá fora, lutando contra o inimigo, e não ouvindo aquele absurdo. Somos todos guardiões de algum tipo de conhecimento, deixou claro. O meu é o de como apagar da face da Terra cada sionista que puder encontrar. Motivo pelo qual eu vim. A guerra não é necessária. Esse sujeito era mesmo idiota. Você é cego? Os judeus estão inundando este lugar. Estamos sendo esmagados. Tudo que nos resta é a guerra. Você subestima a decisão dos judeus. Eles sobreviveram durante séculos e continuarão sobrevivendo.

Esta terra é nossa. Vamos vencer. Há coisas mais poderosas que balas que podem lhes dar a vitória. Isso mesmo. Bombas. E temos um monte. Vamos esmagar cada um de vocês, ladrões sionistas. Não sou sionista. A declaração veio em voz calma, e então o homem ficou em silêncio. Haddad percebeu que precisava acabar com o interrogatório. Não havia tempo para becos sem saída. Vim da biblioteca para falar com Kamal Haddad, disse o homem finalmente. A fúria de George Haddad cedeu à confusão. É o meu pai. Disseram-me que ele morava neste povoado. O pai dele havia sido académico, formado em história da Palestina, e ensinara na faculdade em Jerusalém. Um homem grande na voz e no riso, no coração e na alma, recentemente havia actuado como emissário entre os árabes e os ingleses, tentando acabar com a maciça imigração judaica e impedir a nakba. Seus esforços tinham fracassado. Meu pai morreu. Pela primeira vez, viu preocupação nos olhos vazios do prisioneiro. Eu não sabia. Haddad recuperou uma lembrança que desejaria perder para sempre. Há duas semanas ele pôs o cano de um fuzil na boca e explodiu a cabeça. Deixou um bilhete dizendo que não podia ver a destruição de sua pátria. Sentia-se responsável por não ter conseguido impedir os sionistas. Haddad encostou o revólver, que agora segurava, no rosto do guardião. Porque precisava do meu pai? É a ele que minha informação deveria ser passada. Ele é o convidado. A raiva cresceu. Do que está falando? Seu pai era um homem que merecia grande respeito. Era culto, tinha o direito de compartilhar o nosso conhecimento. Por isso vim, para convidá-lo a compartilhar. A voz calma do sujeito acertou Haddad como um balde d'água apagando uma chama. Compartilhar o quê? O guardião balançou a cabeça. Isso é só para ele. Ele morreu. O que significa que outro convidado será escolhido.

Sobre o que aquele sujeito estava arengando? Haddad havia capturado muitos prisioneiros judeus, torturando-os para descobrir o que podia, depois atirando no que restasse deles. Antes da nakba, plantava oliveiras, mas, como o pai, sentia-se atraído pela academia e queria estudar mais. Agora isso era impossível. O estado de Israel estava sendo estabelecido, suas fronteiras escavadas em antiga terra árabe, com os judeus aparentemente sendo compensados pelo mundo pelo Holocausto. E tudo isso à custa do povo da Palestina. Aninhou o cano da arma entre os olhos do homem. Acabo de me tornar o convidado. Fale sobre seu o conhecimento». In Steve Berry, O Elo de Alexandria, 2007, Edições Dom Quixote, 2008, ISBN 978-972-203-427-2.

Cortesia de EdomQuixote/JDACT

JDACT, Steve Berry, Palestina, Literatura,