sábado, 1 de agosto de 2020

Os Manuscritos de Jesus. Michael Baigent. «… no início do século XV, época em que havia três papas, uma trindade de pontífices unidos unicamente por um desprezo mútuo…»

Cortesia de wikipedia e jdact

 O Tesouro do Padre

«(…) Ao longo do século XIX, cada vez mais o Vaticano ia-se tornando anacrónico. Os Estados Papais se estendiam de Roma a Ancona e até Bolonha e Ferrara, e o papa governava qual um potentado medieval. A tortura constituía prática regular nas mãos dos anónimos guardas da Inquisição (maldita) nas suas prisões secretas. Os condenados nos tribunais pontifícios viravam remadores nos galeões ou eram exilados, presos ou executados. Um patíbulo aparentando bastante uso ocupava o centro da praça de todas as comunidades. Por todo o lado espreitavam espiões, e a repressão era a regra; a modernidade vinha sendo mantida ao largo, até mesmo as estradas de ferro foram proibidas pelo papa, que temia que as viagens, bem como a comunicação entre os indivíduos, causassem danos à religião. Tudo isso acontecia contra o pano de fundo de uma Europa onde a norma era pressionar por mudanças sociais sob a forma de movimentos libertários contra o poder despótico e de encorajamento do governo parlamentarista.

A despeito da ignorância proposital, o mundo exterior ia adentrando as fronteiras fragilizadas dos domínios papais. As mudanças começavam a parecer inevitáveis. A filosofia política democrática, uma crescente consciência social e a florescente crítica aos textos bíblicos e suas incoerências faziam as convicções religiosas baquearem sob a pressão. Além disso, para horror dos católicos conservadores, o poder político do papa também estava directamente ameaçado. Tratava-se de um problema real: em 1859, logo depois de uma guerra entre a Áustria e a França, na qual as forças católicas dos Habsburgos sofreram uma derrota, a grande maioria das terras papais foi anexada ao recém-criado reino da Itália. O papa Pio IX, sumariamente rebaixado pelos acontecimentos, governava agora apenas Roma e um fragmento do campo à sua volta. E as coisas pioraram: em 21 de Setembro de 1870, até mesmo esse pequeno património lhe foi tomado pelos soldados italianos. Ao papa restou tão-somente o enclave murado da Cidade do Vaticano, de onde até hoje seus sucessores continuam a governar.

Pouco antes da perda de Roma, o papa, num aparente gesto de desespero, convocara um Concilio Geral de Bispos para sustentar o seu poder. No entanto, ao reunir esse Concilio, o papa reconhecia implicitamente as limitações de tal poder. A questão de quem segurava as rédeas há muito constituía uma ferida aberta no Vaticano. A incómoda verdade era que a legitimidade do papa não derivava do apóstolo são Pedro, dois mil anos atrás, como ele afirmava, mas de uma fonte bem mais mundana e terrena: um Concilio de Bispos que se reunira em Constance no início do século XV, época em que havia três papas, uma trindade de pontífices unidos unicamente por um desprezo mútuo, todos afirmando simultaneamente possuir autoridade suprema sobre a Igreja. Essa situação ridícula fora resolvida pelos bispos, que declararam, declaração esta reconhecida, ser detentores de autoridade legítima. Dali em diante, os papas mantiveram a autoridade graças aos bispos. Consequentemente, os primeiros dependiam, sempre que desejassem empreender uma mudança significativa, da aprovação dos últimos.

O papa Pio IX foi, porém, o que pretendeu fazer a maior das mudanças: estava decidido a ser declarado infalível, atribuindo-se assim um poder inédito sobre todos os fiéis. Sabia, contudo, que seria obrigado a usar de astúcia para alcançar tal objectivo. Por esse motivo, o Concilio Vaticano I foi convocado no final de 1869. A sua verdadeira finalidade foi mantida em segredo por um pequeno grupo de homens poderosos que incluía três cardeais, todos eles membros da Inquisição (maldita). Não houve qualquer menção à infalibilidade papal em nenhum dos documentos que abordavam os objectivos e as directrizes do concílio. Enquanto isso, os bispos se reuniram e se viram sujeitos a tácticas coercitivas. As votações não eram secretas, e o preço da crítica logo ficou evidente: a perda dos estipêndios do Vaticano era o mínimo que um bispo dissidente podia esperar». In Michael Baigent, Os Manuscritos de Jesus, Editora Nova Fronteira, 2006, ISBN 978-852-091-898-2.

Cortesia de ENFronteira/JDACT