sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Prisioneira da Inquisição. Theresa Breslin. «Não vimos o homem que seguia atrás de nós. Pois, no Verão de 1490, antes de a Santa Inquisição (maldita) trazer medo e suspeita à nossa cidade, eu não olhava constantemente à minha volta…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Em 1469, quando a rainha Isabel de Castela se casou com o rei Fernando de Aragão, dois reinos se uniram. Era a grande ambição de suas vidas unir o resto da Espanha e governá-la como um único país. Intensamente religiosos, eles também queriam que todos os seus súbditos seguissem a fé cristã. Com fogo e espada, cumpriram essa missão. A Santa Inquisição (maldita) (1232-1820) foi uma instituição judicial fundada pela Igreja Católica para descobrir e extinguir a heresia. Durante o reinado de Isabel e Fernando, agentes da Inquisição (maldita) (alguns padres, apoiados por irmãos soldados religiosos) e funcionários públicos juntaram-se, nem sempre de boa vontade, para perseguir hereges. Na Espanha, sob o regime do chefe inquisidor, Tomás Torquemada, a Inquisição (maldita) foi particularmente activa. A tortura era usada durante o interrogatório de acusados, e castigos extremos, incluindo queimar na fogueira ainda vivo, amarrado a uma estaca, eram aplicados a quem fosse declarado culpado, especialmente àqueles que haviam se convertido ao Cristianismo e depois voltado atrás. No ano de 1490, o navegador-explorador Cristóvão Colombo procura o patrocínio dos monarcas espanhóis para seu ambicioso plano de cruzar o oceano Atlântico. A essa altura, a maior parte da Espanha havia sido reconquistada dos mouros, excepto o reino de Granada. Os exércitos da rainha Isabel e do rei Fernando estão se reunindo, pois eles planeam sitiar a cidade de Granada e capturar o belo palácio mouro de Alhambra. Enquanto isso, os agentes da Inquisição (maldita) continuam o seu trabalho por toda a Espanha...

Uma Execução. Verão de 1490

Las Conchas, um pequeno porto em Andaluzia, no sul da Espanha

Zarita

Não vimos o homem que seguia atrás de nós. Pois, no Verão de 1490, antes de a Santa Inquisição (maldita) trazer medo e suspeita à nossa cidade, eu não olhava constantemente à minha volta enquanto cuidava de meus afazeres. Eu era Zarita, filha de um rico e poderoso magistrado, e podia ir aonde quisesse. E, naquele dia de Agosto, um dia tão quente que até mesmo os gatos tinham fugido furtivamente do sol para a sombra a fim de conseguir um pouco de ar fresco, eu estava acompanhada de Ramón Salazar, um belo e jovem fidalgo que havia declarado que morreria por amor a mim. Ramón saracoteava a meu lado, a espada nova de aço de Toledo balançando no quadril, enquanto seguíamos nosso caminho ao longo da rua não calçada do velho porto. Ele levava muito a sério seu papel de meu protector, franzindo o rosto numa careta e lançando olhares severos a todos os transeuntes. Estávamos ali porque eu queria visitar o santuário de Nossa Senhora das Dores, que ficava situado numa igreja perto do mar. Aos 16 anos, Ramón era apenas um ano mais velho do que eu e nunca havia participado de um duelo, mas me acompanhava com o ar de superioridade de um soldado experiente. Ele permaneceu na entrada principal enquanto eu ia ao altar lateral. Eu queria pedir à Mãe de Deus que intercedesse pelas vidas de minha mãe e o filho bebé que ela acabara de dar à luz com muita dor e sangue. Precisei de vários minutos para que meus olhos se acostumassem à escuridão. Não notei a porta lateral se abrir e um vulto deslizar para o interior. Ele permaneceu no escuro, esse homem, e me observou enquanto eu caminhava na direcção da estátua da Virgem. Esperou atrás de uma coluna conforme eu erguia o véu, acendia uma vela e me ajoelhava para rezar. Então, quando abri a bolsa para apanhar algum dinheiro para uma oferenda, ele se lançou à frente.

Señorita, eu lhe imploro. Apenas uma moeda. O quê? Assustada, levantei-me. O homem era mais alto do que eu, seus enormes olhos castanhos parecendo quase pretos num rosto esquelético e cinzento com barba por fazer. Eu preciso de dinheiro, disse ele. Andei a manhã inteira e não consegui nenhum. Não posso voltar para minha mulher e meu filho de mãos vazias. Estendeu a mão, a palma para cima. Fiquei subitamente ciente de que estava sozinha com aquele rufião no interior da igreja vazia. Baixei o véu sobre o rosto e dei um passo para trás. Ele foi à frente, para muito perto de mim. Sua boca se abriu, exibindo dentes escurecidos e a falta destes. Um cheiro imundo e opressor. A mão estendida roçou na minha. Soltei um gritinho de sobressalto. Ramón veio correndo pelo corredor, após surgir pela porta principal. Meu filho tem fome. Minha mulher está muito doente. Ela precisa de remédios. Uma moeda daria para comprar algo que amenizasse seu incómodo, falou o homem para mim. Mas não liguei para seus apelos. O cheiro dele e o contacto de seus dedos, juntamente à pele áspera e às unhas quebradas, me causaram repulsa. Que um camponês fosse tão longe a ponto de tentar segurar a mão de uma mulher de minha posição era ultrajante. Ele me tocou, berrei. Esse homem realmente me tocou! Ramón olhou-me horrorizado. Seu rosto ficou vermelho de raiva». In Theresa Breslin, Prisioneira da Inquisição, 2010, Galera Record, 2014-2015, ISBN 978-850-110-256-0.

Cortesia de GRecord/JDACT

JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Espanha,