quarta-feira, 16 de setembro de 2020

A Conspiração do Graal. Lynn Sholes e Joe Moore. «Acho que ele precisou dobrar a dose do remédio para a pressão. Estou indo para lá, agora. Tenho uma reunião com ele às nove e meia, e a minha sessão de edição é às dez»

jdact e cortesia de wikipedia

«O príncipe das trevas é um cavalheiro». In Shakespeare

A Fita

«(…) Na manhã seguinte, Cotten fez uma busca na gaveta de cosméticos. Nada de rímel. Encontrou diversas embalagens de base e uma sombra ainda nova. Sombra para os olhos, delineadores e batons, mas nada de rímel. Havia levado ao Iraque o único tubo de que dispunha e o abandonou no deserto. Examinou o rosto no espelho. Os olhos castanho-claros pareciam descuidados. Enrolou a mecha de cabelo rebelde que teimava em se soltar e deu uma última olhada no reflexo. Por um momento, vislumbrou o rosto da mãe no seu. Tocou com a ponta dos dedos a pele sob os olhos e ao redor da boca. Lembranças da vida que havia deixado para trás em Kentucky a assaltaram. Viu rugas e olheiras profundas no rosto das mulheres..., mulheres não muito mais velhas do que ela própria aparentava no momento. Vinte e sete eram quase trinta, e os trinta não ficavam muito longe de... A mãe a chamava de excêntrica, dizendo que ela era uma sonhadora. Era verdade. E nas asas desses sonhos ela havia fugido de uma vida em que as mulheres envelheciam cedo demais, desistiam das esperanças cedo demais..., e morriam muito antes do tempo. Sinto muito, mãe, sussurrou. Cotten borrifou de perfume a parte de trás de cada orelha e fechou a gaveta de cosméticos. Na cozinha, mastigou uma barra de cereais e preparou uma xícara de café instantâneo. Enquanto comia, olhou para o fogão. Tudo parecia bem normal. Só por precaução, pegou uma frigideira do armário e colocou-a no queimador ao lado do bule. Perfeito.

Atravessou os dez quarteirões do apartamento até à sede da SNN. Fazia frio, mas Cotten nem prestou atenção. Ansiava por obter as respostas a algumas perguntas inquietantes. De repente, o telefone móvel vibrou. Alô, atendeu, desviando-se das pessoas na calçada movimentada. Olá, garota. Voltou! Nessi!, Cotten sorriu, contente por ouvir a voz da amiga. Como foi a viagem? Parece que as coisas ficaram bem quentes por lá. Você não vai acreditar em tudo o que passei nos últimos dois dias. Ela começou a contar à amiga mas, de propósito, omitiu a parte em que Archer implorou para que ficasse com a caixa, falando numa língua que não existia para ninguém no planeta além dela. Ninguém compreenderia. Então precisei subornar um oficial para passar pela fronteira com a Turquia. Fiquei chacoalhando num autocarro um dia inteiro com pessoas que fediam como bodes. E acho que contrabandeei uma espécie de artefacto antigo do Médio Oriente para os Estados Unidos. Ela olhou de relance para a manchete do New York Times quando passou por uma banca de jornais: sobe o número de tropas. Tirando tudo isso, foi normal. Sentiu a minha falta? Sempre, afirmou Vanessa Perez. Estava preocupada com você. O seu chefe não ficou zangado?

Acho que ele precisou dobrar a dose do remédio para a pressão. Estou indo para lá, agora. Tenho uma reunião com ele às nove e meia, e a minha sessão de edição é às dez. E quanto ao seu Thorn, hein? Nessi, pega leve. Ele vai estar lá? Acho que sim. Talvez eu esteja com sorte e ele tenha saído para alguma entrevista. É melhor pensar em alguma coisa para dizer quando o encontrar de novo. Estou pensando. Sei, já ouvi isso antes. O estômago de Cotten deu um nó. Nessi tinha mesmo ouvido aquilo antes, mais de uma vez. Ela sempre pensava a mesma coisa, queria acreditar que havia terminado com ele. Mas dessa vez seria diferente. Era um caminho sem volta, doloroso e ponto final. Precisava se convencer de que Thornton era coisa do passado..., um malote despachado para algum lugar distante. Você tem sessão de fotos hoje? Cotten mudou de assunto. Em South Beach..., para um bronzeador... logo você vai me ver nos cartazes com um biquíni minúsculo e um frasco do produto na mão. Cotten deu uma risada. Arrase com eles! Eu sempre arraso. Houve uma pausa incómoda. Então acrescentou: não deixe que ele leve a melhor. Me dê algum crédito. Cotten sentiu uma golfada de ar quente quando passou pelas portas rotatórias da sede da SNN. Ei, é para isso que servem os amigos. Vanessa brincou, recordando uma música que curtiam juntas. O refrão era como um código secreto entre elas. Ainda bem que você é linda, porque não sabe cantar..., disse Cotten entre risos». In Lynn Sholes e Joe Moore, A Conspiração do Graal, 2005, Clube do Autor, 2020, ISBN 978-989-724-534-3.

Cortesia de CdoAutor/JDACT

JDACT, Lynn Sholes, Joe Moore, Literatura, Mistério, Médio Oriente,