segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado de João IV. Maria do Carmo T Pinto. «… a navegação holandesa e inglesa das costas da Índia. Nem o dinheiro dos confiscos podia constituir solução, uma vez que o tempo escasseava e não chegaria a tempo»

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Com a devida vénia à doutora Maria do Carmo

Heróis ou Anti-Heróis?

A Governação dos Áustrias em Portugal. Filipe III e a Inquisição (maldita)

«(…) Se analisarmos com algum cuidado a política de Filipe III, facilmente nos podemos aperceber que ocorreram profundas alterações na forma como se desenrolou o relacionamento entre o monarca e o Tribunal do Santo Ofício (maldito) e entre aquele e os cristãos-novos. No início do século XVII, a fazenda real, cuja última quebra tinha ocorrido em 1596, antes da subida de Filipe III ao trono, passava por novos apuros que culminou na bancarrota de 1607. O monarca determinou a imposição aos navios mercantes de um novo tributo, consulado, o qual deveria ser aplicado, exclusivamente, à defesa dos portos e do comércio marítimo. Esta decisão foi cumprida apenas durante alguns anos, uma vez que o produto do recente imposto, tal como já acontecera com a terça dos concelhos destinadas à reparação das fortalezas, depressa foi consumido nas despesas urgentes. O dinheiro arrecadava-se (...) mas os cascos apodreciam desarmados, enquanto os piratas acoutavam os nossos mares. O erário régio exigia reformas profundas que tardavam e o desequilíbrio aumentava. Mesmo o lançamento de um direito novo no valor de 220 réis sobre cada moio de sal exportado veio revelar-se insuficiente para resolver o problema financeiro. Considerando a conjuntura adequada;

No caso da Inquisição de Évora, por exemplo, em 1598, o número de sentenciados atingiu praticamente o seu pico apresentando valores muito superiores aos da Inquisição de Lisboa (maldita), cuja curva de evolução repressiva registou, durante o referido período, algumas hesitações no seu crescimento, e também mais elevados dos registados pela Inquisição de Coimbra.

a uma aceitação das suas exigências, os cristãos-novos tentaram a consciência do príncipe, prometendo-lhe avultadas quantias em troca da recuperação de imunidades que no reinado de Sebastião I lhe tinham sido concedidas e cuja revogação por parte do cardeal-rei Henrique foi confirmada por Filipe II. O desaparecimento de Filipe II e as dificuldades do tesouro nos primeiros anos do reinado de Filipe III aplanaram o caminho aos cristãos-novos. A supplica era audaz, mas a occasião favorecia os requerentes. O principal objectivo dos cristãos-novos era conseguirem, efectivamente, obter o perdão geral que havia muito procuravam alcançar e que, concedido por Clemente VII a 23 de Agosto de 1604, acabaria por ser publicado em 16 de Janeiro de 1605. Porém, até o conseguirem concretizar houve que percorrer um longo caminho, aliás iniciado ainda no reinado de Filipe II.

Assim, logo em 1598, começaram por oferecer à Coroa 675 mil cruzados, além de lhe facultarem um empréstimo no valor de 500 mil ducados, sem juros, a ser aplicado às naus da Índia e cujo reembolso assentava na pimenta que as mesmas trouxessem. Tanto em Portugal como em Castela, a disponibilidade manifestada pelos cristãos-novos para ajudar Filipe III suscitou forte oposição. O impasse acabou por ser ultrapassado com a proposta apresentada pelos Governadores de Portugal, em Fevereiro de 1600, na qual o reino se comprometia a pagar um serviço de 800 mil cruzados, em prestações anuais, como forma de indemnizar a coroa das somas que deixaria de receber, obrigando-se o monarca, em contrapartida, a rejeitar a pretensão dos cristãos-novos ao perdão geral. O governo castelhano aceitou a proposta mas esta acabou por não obter a anuência do Senado da Câmara de Lisboa com base no facto de não terem sido ouvidos os representantes das cidades e lugares do reino com assento nas Cortes, pelo que o acordo ficou sem efeito, pelo Alvará de 30 de Outubro de 1601.

Perante as dificuldades financeiras que teimavam em persistir, Filipe III viu-se, novamente, na contingência de ter de procurar apoio junto dos cristãos-novos. Assim, durante a primeira metade de 1601, a gente de nação obteve a revogação da lei decretada por dom Henrique e confirmada por Filipe II, que os impedia de sair do reino e de venderem os seus bens, mediante um pagamento de 170 mil cruzados, que posteriormente passou a 200 mil, sendo-lhes, igualmente, dada permissão para se fixarem nos territórios portugueses além-mar. Ainda nesse mesmo ano, um alvará régio de 24 de Novembro de 1601 proibia a utilização da designação de cristão-novo, confesso, marrano ou judeu, relativamente a qualquer descendente dos conversos, sob pena de multa e prisão, sendo provável que a promulgação desta lei tenha sido obtida mediante o pagamento pelos cristãos-novos de avultada quantia. Contudo, à vontade expressa da Inquisição (maldita) sobrepunham-se as exigências do erário régio. Os que defendiam que o perdão fosse concedido argumentavam que era necessário organizar uma poderosa esquadra que afastasse, definitivamente, a navegação holandesa e inglesa das costas da Índia. Nem o dinheiro dos confiscos podia constituir solução, uma vez que o tempo escasseava e não chegaria a tempo.

Assim, os cristãos-novos prometiam a Filipe III um serviço voluntário de 1.700.000 cruzados, prescindindo do pagamento de 225 mil cruzados que a fazenda devia a alguns deles, caso o monarca conseguisse obter o perdão geral das culpas de apostasia e judaísmo. Os cristãos-novos estavam tão apostados em garantir que as suas pretensões fossem ouvidas que tinham, inclusivamente, distribuído benesses financeiras, no valor de 100 mil cruzados, por diversas personagens importantes da corte madrilena, entre as quais o próprio duque de Lerma». In Maria do Carmo T Pinto, Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado de João IV, Heróis ou Anti-Heróis?, Dissertação de Doutoramento em História, Universidade Aberta, Lisboa, 2003.

Cortesia UAberta/JDACT

JDACT, Maria do Carmo T Pinto, História, Cultura e Conhecimento,