sábado, 26 de fevereiro de 2022

Moça com Brinco de Pérola. Tracy Chevalier. «Você terá de ir ao Mercado de Carne e às barracas de peixe também. É outra das suas tarefas. Dito o quê, ela me deixou com a roupa para lavar. Contando comigo, havia dez pessoas na casa…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Mas, outra vez, foram os quadros que me espantaram. Havia mais quadros naquele quarto que emqualquer outro lugar. Contei, em silêncio, dezanove. A maioria, retratos, parecia ser de membros das duas famílias. Tinha também um quadro da Virgem Maria e outro dos reis magos adorando o Menino Jesus. Olhei os dois, meio sem jeito. Agora, vamos subir. Tanneke tomou a frente na escada íngreme e colocou um dedo sobre os lábios fechados, pedindo silêncio. Subi fazendo o mínimo barulho possível e quando cheguei no alto olhei em volta e vi uma porta fechada. Atrás dela, um silêncio que eu sabia ser dele. Fiquei com os olhos pregados na porta, sem ousar me mexer, caso se abrisse e ele saísse. Tanneke
inclinou-se e sussurrou: Você vai limpar lá dentro, a jovem patroa explica depois. E esses quartos, apontou para as portas nos fundos da casa,são da minha patroa. Só eu entro lá para arrumar.

Descemos em silêncio outra vez. Quando estávamos na lavandaria, Tanneke disse: Você vai lavar toda a roupa da casa, e apontou um monte de roupas muito mal lavadas. Eu ia trabalhar bastante para colocar o serviço em dia. A cozinha tem uma cisterna, mas é melhor você pegar água no canal, que é bem limpa nesta parte da cidade. Tanneke, você fazia tudo isso sozinha? Cozinhar, limpar e lavar para a casa toda?, perguntei, baixinho. Escolhi as palavras certas. Tudo, além de algumas compras Tanneke estava orgulhosa da própria competência. Claro que a jovem patroa faz a maior parte das compras, a não ser carne e peixe quando está carregando um filho. O que acontece com frequência, acrescentou ela, num sussurro. Você terá de ir ao Mercado de Carne e às barracas de peixe também. É outra das suas tarefas. Dito o quê, ela me deixou com a roupa para lavar.Contando comigo, havia dez pessoas na casa, uma delas um bebê que deveria sujar mais roupas que todos os demais. Eu teria de lavar roupa todos os dias, minhas mãos ficariam rachadas e ásperas com o sabão e a água; meu rosto, vermelho por causa do vapor das roupas na fervura, minhas costas doídas de carregar roupa molhada, e meus braços queimados pelo ferro. Mas eu era jovem e nova na casa, esperava-se que fizesse o trabalho mais árduo.esperava-se que fizesse o trabalho mais árduo.esperava-se que fizesse o trabalho mais árduo.e meus braços queimados pelo ferro. Mas eu era jovem e nova na casa, esperava-se que fizesse o trabalho mais árduo.esperava-se que fizesse o trabalho mais árduo.esperava-se que fizesse o trabalho mais árduo.e meus braços queimados pelo ferro. Mas eu era jovem e nova na casa, esperava-se que fizesse o trabalho mais árduo.esperava-se que fizesse o trabalho mais árduo.esperava-se que fizesse o trabalho mais árduo.

As roupas precisavam ficar de molho um dia antes de serem lavadas. Na mesma despensa que levava ao porão, encontrei dois baldes de estanho e uma chaleira de cobre. Peguei os baldes e percorri o longo corredor até à porta da frente. As meninas estavam sentadas no banco. Lisbeth soprava as bolhas de sabão enquanto Maertge dava pão amolecido no leite para o bebé Johannes. Cornélia e Aley discorriam atrás das bolhas. Quando apareci, elas ficaram paradas me olhando, à espera. Você é a nova criada, declarou a menina ruiva. Sim, Cornélia. Cornélia pegou um seixo e jogou do outro lado da rua, no canal. Estava com o braço todo arranhado, deveria ter perseguido o gato da casa. Onde vai dormir?, perguntou Maertge, enxugando os dedos redondinhos no avental. No porão. Nós gostamos do porão, disse Cornélia. Vamos brincar lá agora! Ela entrou, mas não foi longe.Como ninguém a acompanhou, voltou e ficou emburrada.

Aley dis, chamei, estendendo a mão para a caçula. Pode-me mostrar como pegar a água do canal? Ela segurou minha mão e me olhou. Seus olhos eram como duas moedas cinzentas e brilhantes. Atravessamos a rua, com Cornélia e Lisbeth atrás. Aley dis me levou até uma escada que descia para o canal. Descemos e apertei a mão dela, como fiz anos antes com Frans e Agnes sempre que ficávamos perto de água. Não pise na água, avisei Aley dis, que, obediente, deu um passo atrás. Mas Cornélia estava bem nas minhas costas quando carreguei os baldes na escada. Cornélia, ajuda-me a carregar a água? Senão, fique com suas irmãs. Ela me olhou e fez o pior: se tivesse ficado brava ou gritado, eu saberia como controlá-la. Mas caçoou». In Tracy Chevalier, Moça com Brinco de Pérola, 1999, Bertrand Brasil, 2002, ISBN 978-852-860-957-8.

 

Cortesia de BertrandB/JDACT

 

Johannes Vermeer, Século XVII, JDACT, Pintura, Literatura,