sábado, 5 de fevereiro de 2022

Prisioneira da Inquisição. Theresa Breslin. «Para minha surpresa, ela não negou minha acusação. Gesticulou para sua criada sair e disse: Não deveria se queixar, pois emprega os mesmos métodos para ganhar atenção»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Chegada da Inquisição (maldita) 1490-1491

Zarita

«(…) Então, para minha raiva, descobri que Lorena estivera aconselhando o pai sobre mim, dizendo que eu não era capaz de cuidar de um lar tão importante quanto o dele; que eu era uma garota insensata e que provara isso por ter saído sem uma dama de companhia; que o incidente na igreja havia maculado minha reputação; e que eu deveria rapidamente ser mandada para um convento ou me casar com alguém que me aceitasse. Notei também que ela se aproximara de Ramón Salazar, conversando longamente com ele, fingindo pedir sua opinião sobre os assuntos mais triviais. Não fiquei demasiadamente preocupada, porque Ramón sempre fora atraído por mim e somente por mim. Por mais de um ano ele me perseguiu e procurou minha companhia, de tal maneira que veio a ser como um membro da família. Eu acreditava que era apenas uma questão de semanas até ele falar com o paizinho e nossas famílias chegarem a um acordo para noivarmos. Achava que o pai aprovaria o casamento.

Ele queria que eu fosse feliz, mas também tinha aspirações à nobreza e Ramón Salazar tinha sangue nobre. Meu pai tinha consciência da sua posição na sociedade, e uma aliança com Ramón Salazar aumentaria ainda mais sua reputação. Na Primavera do ano seguinte, houve de facto um casamento. Mas não foi para o meu matrimónio com Ramón que tendas foram montadas no terreno da nossa fazenda, grinaldas de flores penduradas sobre as portas da casa, mesas compridas postas com toalhas de linho branco e copos cintilantes e um padre chamado para realizar a cerimónia. Foi para o meu pai. Meu pai e sua nova esposa, a condessa Lorena Braganza.

Antipatizei com ela desde o momento em que a vi; aquela condessa com seus olhos brilhantes e língua minúscula que dardejava entre dentinhos. Uma língua tão afiada quanto um alfinete, e olhos que incomodavam e espreitavam. Uma língua que nunca ficava parada por muito tempo e se ocupava com comentários maliciosos e sugestões dissimuladas. Olhos que perambulavam pelos nossos ornamentos e prataria, calculando seu valor e avaliando o preço de tudo o que viam. Os vestidos que usava tinham um decote baixo para expor o volume do seu colo, e ela se inclinava à frente e gargalhava quando homens que estavam na sua companhia falavam, mesmo que seus comentários não fossem nem um pouco divertidos. De minha parte, ficava sentada, olhando-a, pois ela dizia as coisas mais tolas que eu já tinha ouvido.

Eu não queria que ela se casasse com meu pai. Eu não a queria em minha casa. Na noite em que seu noivado foi anunciado, ela veio ao meu quarto para falar comigo e percebi que usava o colar de coral de minha mãe. O colar que minha mãe prometera que eu teria no meu aniversário de 16 anos. Isto é meu!, Arranquei-o do pescoço dela. O fecho se quebrou, e as contas saíram voando, caíram e rolaram pelo chão. Ela gritou, e sua criada e meu pai vieram correndo. Socorro, choramingou, segurando o pescoço. Zarita teve um ataque e me arranhou. Tirou as mãos para revelar um vergão vermelho brilhante no pescoço. Perdi o fôlego. Ela pressionara as próprias unhas no pescoço para fazer a marca! Eu não fiz isso, garanti a meu pai. Zarita, precisa se desculpar imediatamente, ordenou ele. Fiquei num silêncio mal-humorado. Imediatamente!, repetiu. Ou vou trancá-la no seu quarto até se desculpar.

Murmurei uma desculpa, mas, quando meu pai saiu, disse a Lorena: Você mesma fez essa marca. Para minha surpresa, ela não negou minha acusação. Gesticulou para sua criada sair e disse: Não deveria se queixar, pois emprega os mesmos métodos para ganhar atenção. Não sei do que está falando. Claro que sabe. Olhou-me atentamente. Eu vi você saindo da igreja no dia em que o mendigo supostamente a agrediu. Ele me tocou mesmo, falei em voz baixa, pois aquele era um dia que eu preferia esquecer. Ah, eu sei disso. Ouviram você dizer. Lorena sorriu, e não foi um sorriso amistoso. Ele me tocou, imitou minha voz. Aquele homem realmente me tocou. Recuei diante dela. Como sabia o que eu dissera no interior da igreja de Nossa Senhora das Dores? Todos acreditam que o mendigo a atacou, prosseguiu Lorena, mas seu corpete não estava rasgado, nem seu vestido ficou danificado de modo algum. O que o pobre homem tentou fazer? Pegar um centavo da sua bolsa ou arrancar o dinheiro da sua mão antes que o colocasse na caixa para os padres? Boa sorte para ele, digo eu. Falei com o janota que supostamente devia ser seu protector, Ramón Salazar, e descobri o que aconteceu. Esperava que Ramón se contentasse em sustentar o fingimento da agressão..., ele pareceria mais homem por se ter lançado na sua defesa. Mas foi você, Lorena se aproximou e ciciou no meu rosto, você, com sua petulância mimada, que causou o enforcamento de um homem porque ele encostou na sua mão. Caí para trás diante do seu ataque violento, a verdade das suas palavras despindo minha alma e deixando-me nua.

Portanto, não me venha com afecações, minha cara senhorita santinha. Tem de conviver com suas próprias falsidades e as consequências dos seus actos. Lorena ergueu as saias para sair. Um homem inocente está morto. E seu filho também, muito provavelmente». In Theresa Breslin, Prisioneira da Inquisição, 2010, Galera Record, 2014-2015, ISBN 978-850-110-256-0.

Cortesia de GRecord/JDACT

JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Espanha,