quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Fernando Correia de Oliveira: 500 anos de Contactos Luso-Chineses. «Os primeiros anos do século XVI não começaram, internamente, muito bem para o reino de Portugal. O príncipe D. Miguel, filho de D. Manuel e de D. Isabel, filha, por sua vez, dos Reis Católicos e presuntiva herdeira dos tronos de Leão, Castela e Aragão, morria em 1500»

Cortesia de foriente

A Chegada a Guangzhou
«Com alguma ironia, os portugueses só conseguiram chegar ao Oriente usando a arte de marear de pilotos árabes ou utilizando invenções chinesas, como o compasso, sem o que seria impossível desenhar os portulanos, mapas referindo apenas as costas. Esses conhecimentos chegaram à Europa através do islão, que cercava o Velho Continente numa cintura apertada, impedindo-o do contacto directo com o Oriente mítico do ouro e das especiarias. Mas o cerco foi quebrado, pelos portugueses, em 1498, com a descoberta da via marítima até à Índia. A conquista de Malaca, em 1511, abre finalmente caminho até ao Grão Cataio, a lendária China de que Marco Polo e outros viajantes europeus da Idade Média tinham falado. Os primeiros contactos luso-chineses são amistosos, porque estritamente comerciais.
Os primeiros anos do século XVI não começaram, internamente, muito bem para o reino de Portugal. O príncipe D. Miguel, filho de D. Manuel e de D. Isabel, filha, por sua vez, dos Reis Católicos e presuntiva herdeira dos tronos de Leão, Castela e Aragão, morria em 1500. A mãe morrera em 1498, quando o dera à luz. As pretensões de Lisboa a uma chefia unificada das casas reais ibéricas iam por água abaixo. D. Manuel reincidiu no sonho, casando com uma cunhada, D. Maria, ainda em 1500.

Cortesia de foriente

A miséria entre a população era extrema. Fundavam-se as primeiras misericórdias, mas a fome generalizada acentuava os efeitos de surtos epidémicos em 1503, 1505, 1507, 1510… Em 1506, ocorre em Lisboa um levantamento antijudaico, chefiado por frades de fé incendiária. Houve milhares de mortos. É sob o pano de fundo de um reino mergulhado na peste, na miséria e no fanatismo religioso que a aventura da expansão prossegue. Estranhamente. Ou até por isso.

Conquistadas que estavam bases na costa ocidental do subcontinente indiano, Manuel I manifestou desde cedo um grande empenhamento em estender a influência dos portugueses para a contracosta e, se possível, ainda mais para oriente. Em 1505, Francisco de Almeida era nomeado vice-rei da Índia. As comunidades muçulmanas de mercadores (árabes, persas, indianas, etc.), que detinham o monopólio do comércio oriental e se apoiavam no reino de Veneza para a distribuição dos seus produtos pela Europa iam contrariando como podiam (militarmente, fazendo correr boatos, promovendo alianças e desfazendo outras) a concorrência dos novos intermediários que tinham aparecido em força no Índico desde o Gama, em 1498.
Para a coroa em Lisboa tornava-se claro que, além da entrada do mar Vermelho, era agora necessário expandir a exploração geográfica e mercantil até aos estreitos de Ceilão e Malaca, afinal as duas portas, respectivamente a ocidente e a oriente, das rotas comerciais do Sueste Asiático.

Ainda com Francisco de Almeida, dá-se, em 1509, a batalha de Diu, quando uma importante armada turca é aniquilada. Os portugueses começavam a impor claramente a sua superioridade marítima na zona. Nesse mesmo ano, o vice-rei é substituído por Afonso de Albuquerque.

Cortesia de jugular

No espírito de Manuel I misturavam-se, por um lado, o desejo de aumentar as zonas de influência e uma certa ideia de facilidade resultante dos inúmeros êxitos obtidos desde a sua subida ao trono; por outro, o receio de que os espanhóis alcançassem primeiro a Ásia Oriental, pois não se sabia ainda que um enorme oceano separava o Extremo Oriente dos territórios explorados pelos rivais ibéricos desde 1492. Quando Diogo Lopes de Sequeira partiu à descoberta de Malaca, em 1508, a China passara a fazer parte dos interesses da coroa. Nas instruções que recebera do rei, Sequeira podia ler:
  • “Perguntareis pelos chins, e de que partes vêm, e de quão longe, e de quanto em quanto vêm a Malaca, ou aos lugares em que tratam, e as mercadorias que trazem, e quantas naus deles vêm cada ano, e pelas feições de suas naus, e se tornam no ano em que vêm, e se têm feitores ou casas em Malaca, ou em outra alguma terra, e se são mercadores ricos, e se são homens fracos, se guerreiros, e se têm armas ou artilharia, e que vestidos trazem, e se são grandes homens de corpos, e toda a outra informação deles, e se são cristãos, se gentios, ou se é grande terra a sua, e se têm mais de um rei entre eles, e se vivem entre eles mouros ou outra alguma gente que não viva na sua lei ou crença, e se não são cristãos, em que crêem, ou a que adoram e que costumes guardam, e para que parte se estende a sua terra, e com quem confinam”.
Logo nos portos do Norte de Samatra, que foram escalados antes da chegada a Malaca, os portugueses terão contactado com chineses (pelo menos receberam porcelanas chinesas de presente por parte do sultão de Pedir).
À sua chegada a Malaca, a 1 de Julho de 1509, Sequeira encontrou dois ou três juncos chineses no porto. Contactou directamente mercadores do Império do Meio, comeu a bordo de um junco, descreveu os chineses e os seus hábitos. Foi, de facto, o primeiro encontro luso-chinês de que há registo. Em 1510, regressou a Portugal». In Fernando Correia de Oliveira, 500 anos de Contactos Luso-Chineses, Público, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-8179-28-6.

Cortesia de Fundação Oriente/JDACT