sábado, 10 de setembro de 2011

Manuel Cadafaz Matos. Para uma História da Imprensa e da Censura em Portugal nos Séculos XIV a XVI: «A admirável arte, da impressão, foi inventada primeiro na Alemanha, em Mogúncia sobre o Reno... Isso aconteceu-nos pelo ano do Senhor de 1440, e desde aí até 1450, essa arte e tudo o que a ela se relaciona não deixaram de ser aperfeiçoados…»

Pentateuco. Faro, Samuel Cacon, 1487
Cortesia de arquivodaudecoimbra

«Pela análise desenvolvida por Henri-Jean Martin pensamos ter encontrado uma (chave) para o problema do local onde se imprimiu pela primeira vez com caracteres móveis, se na Alemanha, se na Holanda (ao que tanto também tem sido defendido) se, mesmo, em Bruges. Este criterioso autor passa, assim, dos documentos de arquivo às fontes narrativas, principiando por rebater, em primeiro lugar, a hipótese dita «holandesa». Apresenta-nos, deste modo, em primeiro lugar, o famoso texto das crónicas de Colónia (1499), que considera tanto mais interessante dado que o autor declara ter recebido as suas informações de Ulrich Zell, o primeiro tipógrafo de Colónia que teve relações com Schoeffer, um dos colaboradores de Gutemberg.
Damos aqui, uma tradução desse texto:
  • «A admirável arte, da impressão, foi inventada primeiro na Alemanha, em Mogúncia sobre o Reno... Isso aconteceu-nos pelo ano do Senhor de 1440, e desde aí até 1450, essa arte e tudo o que a ela se relaciona não deixaram de ser aperfeiçoados... Embora essa arte tenha sido encontrada em Mogúncia como já dissemos, todavia o primeiro esboço dela foi realizado na Holanda, nos «Donat» que se imprimiam aí antes dessa altura. Desses livros data então o começo da arte acima referida; actualmente ela é muito mais magistral e mais subtil do que era na sua primeira maneira; com o tempo, ela aperfeiçoou-se imenso».

Cortesia de arquivodaudecoimbra

Esta questão de uma «primeira maneira» praticada na Holanda e que tem suscitado (como ainda continua a suscitar) uma vasta gama de trabalhos e de hipóteses não deixa de ser apontada por Henri-Jean Martin por «controversa». Comenta este autor que tendo em conta o facto de muitos trabalhos terem sido executados na Holanda, poder-se-ia pensar que se tratava de xilógrafos. Mas esta técnica também era conhecida na Alemanha, na região renana, e na França. E outros textos, certamente tardios, mas confirmando uma lenda viva, vêm confirmar a hipótese segundo a qual ter-se-ia executado na Holanda impressões por meio de um procedimento que se tem frequentemente procurado reconstituir Em 1561, salienta ainda Martin, dois humanistas de Haarlem, Jan van Zuren e Dirk Volkertroon Coornhert reivindicam para a sua cidade a glória de ter sido o berço da arte tipográfica.

Cerca de 1568, um médico de Haarlem, Adrien de Jonghe, relata numa Crónica da Holanda que devia ser imprimida após a sua morte, uma tradição local segundo a qual um habitante dessa cidade, Laurent Janszoon, apelidado de Coster, teria inventado antes de 1441 a arte de reunir caracteres móveis de metal fundido com vista à reprodução mecânica de um texto; ele teria imprimido um «Speculum humanae Salvationis», um «Donat», outros livros, e o seu segredo teria sido divulgado em 1442 em Amesterdão, depois em Colónia e em Mogúncia por um trabalhador que o teria deixado.

Este historiador da “Arte Tipográfica” não desconhece também, no entanto, a existência do «Doutrinal» de Bruges, fulcro da nossa questão. A sua interpretação do problema vai, no entanto, no sentido de que tal obra não terá sido ainda impressa, nesse ano de 1445 e contra a teoria defendida por Seyl-Victor Falcão, com caracteres móveis.

 
David Abudar. Comentário sobre a Ordem de Orações
Lisboa, Rabi Eliezer, 1489
Cortesia de arquivodaudecoimbra

Este «Doutrinal», segundo defende este especialista, Martin, terá sido ainda impresso pela técnica de molde. Vejamos pois os argumentos defendidos por Henri-Jean Martin:
  • «Por vezes têm-se relacionado textos que referimos mais acima em que se menciona a compra de livros doutrinais, em Bruges, impressos com caracteres fundidos em molde, encontram-se referências dessas nas “Memórias” de Yean le Robert, abade de Saint-Aubert de Cambrai, nas datas de 1445 e 1451. Mas também aí uma questão de interpretação se coloca. A expressão “fundidos em molde” é sinónimo da expressão “talhados em molde”? Nesse caso tratar-se-ia de simples xilógrafos, os fabricantes de cartas de jogar eram então qualificados de “talhadores de moldes”. A expressão “fundidos em molde” fará, pelo contrário, alusão a uma técnica metalográfica, na qual a página seria imprimida como um bloco único por uma matriz preparada previamente? Por vezes quis-se pensar assim (268)».
In Manuel Cadafaz Matos, Para uma História da Imprensa e da Censura em Portugal nos Séculos XIV a XVI, Publicação do Arquivo da Universidade de Coimbra 1986.

Continua
Cortesia do Arquivo da Universidade de Coimbra/JDACT