sábado, 24 de setembro de 2011

Leituras. Parte XXIV. Sanjay Subrahmanyam: O império Asiático Português, 1500-1700. «Por volta de 1500, Malaca era um dos nós principais do comércio marítimo asiático, articulado com a China e a Insulíndia Oriental, mas também com a Índia, o Golfo Pérsico e o Mar Vermelho. Nas duas últimas regiões constatamos igualmente que o poder político procura formar estados mercantis relativamente pequenos e compactos»

A Ásia em 1600
Cortesia de difel

A Ásia nos Princípios da Idade Moderna
Os Estados dos séculos XV e XVI
«Embora a maior parte da população de Malaca fosse formada por malaios da classe trabalhadora (incluindo um substancial sector formado por escravos, talvez 7% do total da população), havia também comunidades de estrangeiros residentes de considerável dimensão, entre as quais as mais importantes eram os guzerates e os quelins (tamules), seguidos pelos javaneses e os chineses do Fukien. Não parece haver dúvidas de que estes estrangeiros gozavam de um alto estatuto na sociedade malaquesa:
  • no “Hikayat Hang Tuah”, uma epopeia malaia em prosa, até mesmo o progenitor semidivino dos sultões de Malacam, um tal Sang Perta Dewa, é permanentemente escoltado no Céu, o “Keinderaan” malaio, ou Reino de Indra, por um séquito de mercadores! A um nível mais mundano, o que conhecemos da base de rendimentos do sultanato de Malaca confirma a ideia de que o tráfico estrangeiro era de facto a seiva vital do reino.
Um complexo sistema de taxas distinguia os navios vindos dos “negeri di-atas angin”, ou seja, a Oeste de Malaca, dos provenientes dos “negeri di-bauah angin” (terras a Leste de Malaca). Em ambos os casos, as taxas alfandegárias são bem mais baixas do que as que encontramos na Birmânia, no Bengala e noutros locais (embora não tão baixas como, por exemplo, em Calecute).

A Europa no século XVI
Cortesia de difel

Mau grado o baixo índice de direitos, as taxas de alfândega e direitos afins formavam cerca de 90% dos rendimentos do sultão. Apesar disto, o sultão de Malaca também participava directamente no comércio, possuindo navios e explorando as rotas entre Malaca e a costa indiana do Golfo de Bengala. A presença destes navios, equipados por vezes pelos escravos do sultão, confere ao estado de Malaca um cunho marcadamente mercantil, alargando assim o fosso implícito entre os grandes estados agrários e os pequenos estados mercantis.
Por volta de 1500, Malaca era um dos nós principais do comércio marítimo asiático, articulado com a China e a Insulíndia Oriental, mas também com a Índia, o Golfo Pérsico e o Mar Vermelho. Nas duas últimas regiões constatamos igualmente que o poder político procura formar estados mercantis relativamente pequenos e compactos, não muito diferentes de Malaca, dos quais os melhores exemplos são o Iémen no Mar Vermelho e Ormuz no Golfo Pérsico, controlando ambos pontos-chave do comércio o Índico, os portos de Adém e Gerum, respectivamente.
Consideremos em primeiro lugar o caso de Adém. Emerge como centro importante na segunda metade do século IX ou na primeira metade do X, vários séculos antes da ascensão de Malaca. Conjuntamente com os portos de Zafar e al-Shihq Adém permaneceu um dos centros onde os navios provindos da Índia e da Ásia do Sueste faziam habitualmente a primeira paragem na Costa Arábica.

A costa oriental africana
Cortesia de difel

Sob o domínio da dinastia dos Aiúbidas, os direitos portuários, “ushur”, de Adém foram pela primeira vez codificados no século XII, e esses reis criaram igualmente um sistema de galés para patrulhamento da costa e da boca do Mar Vermelho, de modo a proteger os navios mercantis dos piratas. Crê-se ter sido o governador Aiúbida, “na'ib” de Adém, Uthman Ali a
-Zinjili (1175-83), quem reconstruiu o porto e reorganizou os mercados da cidade. Quer a estrutura do comércio, quer a do estado, algo obscuras no período Aiúbida, tornam-se bem mais claras no período seguinte, o da dinastia Rassúlida. É de grande importância um texto de 1411-12, o 2Mulakhkhas al-fitan”, que mostra com algum pormenor a administração do porto, as comunidades aqui residentes, a dimensão dos rendimentos, etc. Por esta obra, pode-se concluir que os direitos de Adém ascendiam em 1411-12 a 1470000 “dinars”, sendo a maior fonte de receitas dos sultões Rassúlidas residentes em Ta'izz.
Deste modo, é natural que desde os princípios do século XIII os sultões Rassúlidas se tenham deveras interessado em desenvolver o porto, dando origem a uma tal reputação que em 1374-75, o “qadi” da Calecute lhes escreveu pedindo que os muçulmanos deste porto do Malabar fossem autorizados a ler a “khutba” em nome dos Rassúlidas! Os regulamentos do porto revelam um certo grau de ordem burocrática; todos os navios que entrassem em Adém deveriam ser portadores de um manifesto, nas mãos do escrivão de bordo, “karrani”, todos os bens deveriam ser examinados em pormenor, seriam efectuadas buscas aos passageiros, etc.

Porém, existem igualmente provas de conflitos entre os sultões Rassúlidas e os mercadores, sobretudo os de grosso trato, “a'yan al-tujjar” de Adém, e especialmente os da comunidade Karimi. Os conflitos surgiam, em grande parte, porque os sultões, tal como os seus homólogos de Malaca, estavam eles próprios envolvidos no comércio, e também porque aconteceria mais tarde no Achém, e ao contrário de Malaca, agiam como monopolistas. In Sanjay Subrahmanyam, O Império Asiático Português, 1500-1700, Uma História Política e Económica, Difel, Memória e Sociedade, 1995, Fundação Oriente, ISBN 972-29-0328-4.

Cortesia da Difel/JDACT