domingo, 8 de abril de 2012

A Bela Poesia. Romanceiro. Almeida Garrett. «O que é preciso é estudar as nossas primitivas fontes poéticas, as fábulas e crenças velhas, as costumeiras e as superstições antigas [...]»

Cortesia de conservatorio

Adozinda
II
Mas o outro dia à luz nada
houve quem disse Adozinda
debruçada em seu balcão
haver prática alongada
co aquele velho ermitão.
Quem sabe o que lhe ele disse?
- Ninguém no castelo ouviu:
mas daquela ocasião
a alegria lhe fugiu
dos olhos e do semblante:
ficou triste, sempre triste;
mas em seu rosto divino
fez-se formosa a tristeza.
Como olhos de amor quebrados
disseras os olhos dele;
mas não tem de amor cuidados,
que a ninguém conhece a bela.

III
Qual semente arrebatada
da flor de vergel mimoso
pelos furacões do Outono, 
vai no encosto pedregoso
cair de serra escalvada;
vem Abril, e a seu bafejo
brota e nasce a linda flor,
de ninguém vista ou sabida, 
nem de damas cobiçada.
Nem de pastores colhida,
e o vento da solidão
lhe bebe o perfume em vão.

IV
Quinze anos tem Adozinda;
e desd'a vez que o romeiro
de saio pardo e grosseiro
lhe falou ao seu balcão,
faz três para o San João.

Poema de Almeida Garrett, in 'Romanceiro, Adozinda'

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