sábado, 28 de abril de 2012

Latino Coelho. Vasco da Gama, a sua Época e os seus Feitos. «Camões é o génio português, Vasco da Gama o brio nacional. Um é o espírito, outro a força; um o pensamento, o outro a acção; o estro e a audácia. Um liga a literatura de Portugal à do restante mudo civilizado, o outro prende e enlaça intimamente os fados gloriosos da nação aos futuros destinos da humanidade»


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«O primeiro número da “Galeria dos Varões Ilustres” foi consagrado, por ocasião do centenário, para comemorar o génio do grande poeta, que mais do que nenhum outro português contribuiu para imortalizar a glória da nação e tornar ainda, se era possível, mais ilustre e celebrado o nome de Portugal.
O cantor dos feitos portugueses, na primeira e mais insigne das modernas epopeias, tomará por assunto principal o temerário descobrimento da senda marítima da Índia, e enlaçará com esta assombrosa empresa a história do povo português e a comemoração dos seus heróis.
Ao poeta devia seguir-se naturalmente, como fazendo pela navegação e pelas armas o que o vate celebrará nos seus cantos, o maior de quantos portugueses ilustraram pelo esforço os faustos nacionais; ao Camões, Vasco da Gama. São estes, de feito, os luzeiros mais intensos de toda a nossa glória. Poderão estranhos porventura ignorar os nomes de outro, varões ilustres e beneméritos pelas suas façanhas ou pela sua valia literária. Mas se no extenso catálogo dos que honraram a pátria pelo pensamento ou pela acção, a indiferença e o esquecimento riscassem os Pachecos, os Albuquerques e os Castros entre os homens de espada vencedora e os Sousas, os Vieiras, os Bernardes entre os homens de engenho inimitável, ainda a mais impiedosa mordacidade não ousaria cancelar estes dois nomes, Camões e Vasco da Gama. Ainda eles, consociados na mesma grande ideia nacional , haveriam de levar à posteridade a fama portuguesa, quando no decorrer dos séculos, não restar outra memória de que um dia, num recanto do Ocidente, existiu e floresceu um povo de heróicos aventureiros, que a todas as nações se antecipou em traçar a comunicação com o Oriente.
Camões é o génio português, Vasco da Gama o brio nacional. Um é o espírito, outro a força; um o pensamento, o outro a acção; o estro e a audácia. Um liga a literatura de Portugal à do restante mudo civilizado, o outro prende e enlaça intimamente os fados gloriosos da nação aos futuros destinos da humanidade.
Por isso o segundo lugar da “Galeria”, segundo no tempo, igual na honra, pertence agora ao imortal descobridor.
Era intenção do autor resumir e compendiar num só volume a vida do grande navegador. Mas os feitos, de que ela se entretece e o mérito singular de sua empresa, ficariam talvez menos perfeitamente compreendidos se não a precedesse um estudo consagrado a explanar os seus antecedentes, o progresso das nossas navegações desde as primeiras tentativas do infante Henrique, e os esforços empenhados antes dos nossos mareantes, nos tempos mais antigos e durante a Idade Média, para domesticar o Oceano rebelde a quilhas aventureiras, para circum-navegar a costa de África e comunicar por terrestres excursões ou marítimas empresas as terras do Ocidente às regiões orientais.
Igualmente convinha elucidar quais eram na Europa nos tempos medievos as noções mais correntes e seguidas sobre o conhecimento do nosso globo, para que em presença dos erro s e fantasias então enraizadas e predominantes nos espíritos de quilates mais subidos, se pudesse ajuizar em que proveito s para a civilização e para a ciência haviam redundado as nossas trabalhosas e incessantes navegações, prosseguidas no espaço de quase um inteiro século.
E, também aqueles prolegómenos pareciam necessários para que os portugueses, satisfazendo-se e contentando-se da glória imortal e verdadeira, não quisessem ainda mais avolumar os próprios loiros, escurecendo e deslustrando o que antes deles pudessem outros menos arrojados e felizes haver empreendido e acabado.
Assim, o estudo acerca do ilustre navegador consta de duas partes; a primeira comemora “Os Precursores de Vasco da Gama”; a segunda história, os seus feitos guerreiros e navais nas suas três viagens». In Latino Coelho, 1882, Vasco da Gama, Bertrand Editora, Lisboa 2007, ISBN 978-972-25-1614-3.

Cortesia de Bertrand Editora/JDACT