quinta-feira, 19 de abril de 2012

O Amor de Camilo Pessanha. António Osório. «Nem uma palavra sobre o que ocorrera. E para Ana e Camilo, que dor, que mútua gentileza! Essa despedida nunca mais a poderiam esquecer. Nos últimos períodos da carta, Ana exprime o desejo de que Camilo lhe perdoe o desgosto que lhe causa…»

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Canção da Partida
[…]
quem vai embarcar, que vai degredado,
as penas do amor não queria levar…
Marujos, erguei o cofre pesado,
lançai-o ao mar

E hei-de mercar um fecho de prata.
O meu coração é o cofre selado.
A sete chaves: tem dentro uma carta…
- A última, de antes do teu noivado.
[…]
Camilo Pessanha

A declaração de amor e a resposta
«Agradece ‘muito a franqueza da sua carta’ e deseja ‘responder-lhe com igual franqueza, numa carta que estará igualmente fora de todas as regras e de todo o costume’; e levanta o grande obstáculo, o namoro com o poeta setubalense, jornalista e político republicano Paulino de Oliveira, com quem viria a casar cinco anos depois, em 1898, aos vinte e seis anos.
  • “Não posso aceitar o seu oferecimento porque prometi há muito tempo já, casar com outro homem. Foi quase uma criancice no princípio, tinha apenas 15 anos. Hoje é uma grande dedicação. E creio que ele precisa dela, porque é também um desiludido. [...] não posso dar aV. Exa. o que prometi a outro. Vulgarmente ninguém se importa com isso. Nunca vi mulher que se prendesse com promessas. Mas eu, sou muito franca, muito leal, para faltar ao que prometo. Mesmo se ele esquecesse estaria eu livre? Creio que não. As faltas dos outros não desculpam as nossas. É possível mesmo que eu nunca case. O que não acontecerá a V. Exa. que decerto encontra outra mulher que o faça feliz, como eu creio que faria, se nos tivéssemos encontrado antes. E como vai para longe esquecerá a mágoa que porventura lhe fará a minha recusa mas não deixe de me ter amizade como eu lhe terei sempre”.
 A seguir, e como manifestação dessa amizade que teria sempre por Camilo, usa de uma delicada, feminina astúcia, que revela a sua afeição pelo poeta, pelo homem apaixonado e ‘desiludido’, e cujo génio adivinhara:

“Eu não disse nem digo a ninguém que recebi a sua carta e a sua declaração [...] que me alegraria se pudesse responder-lhe d'outra maneira. [...] por isso, se não lhe custar muito, venha despedir-se quando partir. Todos o estimam muito e nada haverá que o constranja no espírito dos outros”.

Camilo correspondeu cavalheirescamente ao pedido, selado por um segredo mútuo, de se despedirem antes da partida para Macau, sabemo-lo pela carta que escreve do Mar Vermelho, em 10-III-1894, já a caminho do seu destino, a Alberto Osório de Castro:
  • A véspera da minha partida passei-a com a sua família em Setúbal.
Nem uma palavra sobre o que ocorrera. E para Ana e Camilo, que dor, que mútua gentileza! Essa despedida nunca mais a poderiam esquecer.

António Osório Castro e Camilo Pessanha
Ana de Castro Osório com 30 anos
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Nos últimos períodos da carta, Ana exprime o desejo de que Camilo lhe perdoe o desgosto que lhe causa e que seja seu amigo como era de sua irmã, como ela era dele. E pede-lhe ainda, como ‘amiga verdadeira’, que ‘quando mais tarde a olhar a sangue-frio, rasgue-a então’.
Amiga verdadeira, foi-o sempre. Aos vinte anos, é notável a maturidade, o desprezo das convenções, e esse desejo de fidelidade que constituiu o que de mais sagrado existiu entre os dois». In António Osório, O Amor de Camilo Pessanha, edições ELO, obra apoiada pela Fundação Oriente, colecção de Poesia e Ensaio, Linha de Água, 2005, ISBN 972-8753-43-8.

Cortesia da F. Oriente/Linha de Água/JDACT