sábado, 22 de setembro de 2012

O Pensamento Filosófico de Antero de Quental. Leonardo Coimbra. «… da sua inesgotável virtualidade, de momento para momento, criações cada vez mais completas, mais ricas de energia, vida e expressão, envolvendo-se e desdobrando-se, em voltas cada vez mais largas e sinuosas, na espiral sem termo do seu maravilhoso desenvolvimento»


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As Doutrinas Filosóficas de Antero
Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX
«Em três números sucessivos da Revista de Portugal, de Janeiro, Fevereiro e Março, de 1890, apresenta Antero de Quental o mais completo e sistemático dos seus estudos filosóficos sob o título de ‘Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX’.
Neste trabalho, Antero apresenta os seus pontos de vista sobre os mais importantes problemas filosóficos, como sejam o significado e valor da filosofia, o conhecimento científico e sua relação com a filosofia ou pensamento metafísico (envolvendo uma teoria da ciência e da experiência), e o problema da Liberdade e Deus.
A filosofia é eterna como o pensamento humano, representa num fieri incessante o que há de absoluto no pensamento humano e o que há de relativo na consciência que o pensamento humano tem de si mesmo. Não pode, pois, esperar-se dela uma verdade total e definitiva que acarretaria, aliás se possível fosse, a imobilidade ou morte do pensamento humano.
A sua verdade, sem ser total ou absoluta, é simplesmente simbólica, pois que a filosofia ‘é a equação do pensamento e da realidade numa dada fase do desenvolvimento daquele e num dado período de conhecimento desta, é o equilíbrio momentâneo entre a reflexão e a experiência; a adaptação possível em cada momento histórico (da história, da ciência e do pensamento) dos factos conhecidos às ideias directoras da razão, e a definição correlativa dessas ideias, não por esses factos, mas em vista deles’.
É por isso que cada período histórico tem a sua filosofia e os sistemas, repetindo certos tipos fundamentais, o fazem diversamente conforme as épocas, de acordo com a identidade da razão em todos os tempos e a variação contínua de experiência. Por isso mesmo todos os sistemas duma época apresentam um certo ar de família. Será, pois, possível uma síntese de todos os sistemas duma época, dando assim a sua essência filosófica?
A história mostra-nos apenas uma penetração recíproca dos sistemas, de modo que em certos períodos aparece um sincretismo de todas as doutrinas, como no período alexandrino e na Suma de Tomás de Aquino. E hoje, ao fim de quatro séculos de elaboração do pensamento moderno, parece dar-se o mesmo. A história mostra-nos, com efeito, algumas noções capitais comuns aos sistemas e penetrando, até, todas as formas da espiritualidade moderna. São as noções de força, lei, imanência ou espontaneidade e desenvolvimento.
Por estas noções se distingue essencialmente o pensamento moderno do antigo: se este nos dá a realidade como em nação do ser em si absoluto e só verdadeiramente existente, o pensamento moderno concebe a realidade como um fieri incessante dum ser em si só potencialmente existente e que só realizando-se atinge a plenitude. Um ia buscar a unidade fora do Universo, o outro encontra a unidade somente na própria diversidade.
‘O pensamento antigo fazia do universo uma máquina, cuja estrutura obedecia a um plano preconcebido: o pensamento moderno faz do Universo um ser vivo, cuja forma de actividade não obedece senão às tendências espontâneas do seu próprio desenvolvimento’.
O pensamento antigo fragmentava a realidade em divisões ou categorias, géneros ou espécies, substâncias incomunicáveis, onde cada categoria de seres se isolava sem influir nos outros; o pensamento moderno vê na realidade o acto único duma substância omnímoda.
Do alvor da Renascença a Descartes, Espinosa e Leibniz, as noções de força e imanência vão-se afirmando. O século XVIII dará a ideia de desenvolvimento, consequência e complemento natural das ideias de força e imanência.
E com a ideia de desenvolvimento aprofunda-se a nossa visão do Universo.
  • ‘O Universo aparece-nos agora não já somente como o grande ser autónomo e eternamente activo, mas como o ser de ilimitada e infinita expansão, tirando de si mesmo, da sua inesgotável virtualidade, de momento para momento, criações cada vez mais completas, mais ricas de energia, vida e expressão, envolvendo-se e desdobrando-se, em voltas cada vez mais largas e sinuosas, na espiral sem termo do seu maravilhoso desenvolvimento. Divino e real ao mesmo tempo, manifesta a si mesmo a sua essência prodigiosa, contemplando-se numa infinidade de espelhos e em cada um sob um aspecto diverso, desenrolando a sua eterna existência numa série de panoramas desde as forças elementares e puramente mecânicas, às mil afinidades da matéria bruta, até ao instinto que sonha, à inteligência que observa e compara, à razão que ordena, ao sentimento que fecunda, até, à contemplação e à virtude dos sábios e dos santos’.
Mas o século XVIII não deu somente esta fecunda noção de desenvolvimento, foi também o grande século em que pela voz de Kant o pensamento se interrogou sobre a legitimidade e valor de seus direitos». In Leonardo Coimbra, O Pensamento Filosófico de Antero de Quental, Guimarães Editores, Lisboa, 1991, ISBN 972-665-372-X.


Cortesia de Guimarães Editores/JDACT