quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Romance Histórico no Romantismo Português. Castelo Branco Chaves. «Ora a literatura que o primeiro romantismo português oferecia à burguesia indígena, estava acondicionada ao grau da sua cultura e, pelos temas e motivos, lisonjeava-lhe a dignidade política e social em que se considerava investida»


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Generalidades e Antecedentes
«Os dois poemas ‘românticos’ de Garrett não obtiveram, ao seu aparecimento, grande aceitação do público, tendo a primeira edição de Dona Branca levado cerca de vinte anos a esgotar-se, o que denota a lentidão com que a literatura romântica em Portugal ia formando o seu público. Mas não era então o que importava mais; interessava principalmente que as jovens vocações literárias se tomassem da novidade. Essas, efectivamente, foram conquistadas e não exagerou Garrett quando, ao traçar a sua autobiografia publicada no Universo pitoresco, afirmou:
  • ‘Da sua publicação (Camões e Dona Branca) data e procede quanto até hoje se está fazendo para ilustrar a nossa história, os nossos usos, as cousas da nossa terra'.
A formação, desenvolvimento e mutação do público ledor nas várias épocas da literatura estão a reclamar um estudo. É tarefa que mais incumbirá aos estudos de história social do que aos de natureza propriamente literária, embora sob este aspecto hajam de trazer esclarecimentos que interessam a alguns problemas de história literária.
No estudo do que podemos chamar ‘o fenómeno romântico’ e particularmente no da evolução e vasta expansão do romance no século XIX, impõe-se o estudo do público que recebia com interesse crescente essas produções da arte literária e muito particularmente o da variação dos seus níveis de qualidade consoante os vários sectores sociais desse público.
A massa de leitores que havia de constituir o público do romance histórico em Portugal, é ao romance histórico que nos havemos de cingir, particularmente desde 1840 a 1860, vinha preparada desde muitos anos antes pela leitura das traduções, geralmente infiéis, da novelística estrangeira, abundantemente editadas. José Agostinho Macedo em O Desaprovador, 1818, denunciava essas novelas como corruptoras e escrevia:
  • ‘… as mulheres, os mancebos, e a maior parte das pessoas que têm alguma tintura de educação, leem avidamente Novelas Francesas; este é um dos mais vastos e mais poderosos canais por onde se tem derivado a torrente da corrupção em Portugal… As novelas produzem todos os males, e nenhum bem, e deste naufrágio universal se salvam unicamente duas, Argenis de Barclay e o Telémaco de Fenelon. As mais estragam o espírito, corrompem o coração, pervertem a vontade, envenenam os costumes, e têm todo o poder de dar cabo da língua Portuguesa’.
E não eram só as novelas francesas que caíam sob a férula de Macedo, eram também as inglesas, o Tom Jones, os romances de Richardson que ele, aliás, admirava, e até ‘um maldito Werther, apóstolo do suicídio, não faltando Quixotes que se queiram matar por amor de uma mulher de quem se aborreceriam logo se com ela casassem, e ela se começasse a queixar de flatos histéricos, vapores, frieiras e indigestões…’
Além deste público que a novela histórica vinha encontrar em Portugal predisposto à sua leitura, concorriam a aumentá-lo e a desenvolvê-lo os emigrados que regressavam à pátria, já iniciados em França e na Inglaterra na nova literatura.
Contribuíam também, e destacadamente, para a divulgação do gosto pelo novo género literário as traduções das novelas de Walter Scott, bem como os periódicos literários cujo aparecimento se multiplicava, cabendo, entre eles, a primazia ao Panorama.
Além de todos estes factos, há a considerar o fenómeno económico-social do incremento da pequena burguesia portuguesa que se vinha revelando desde as invasões francesas e a que a vitória liberal animara a aspirações de maior lustro e melhor ilustração. Ora a literatura que o primeiro romantismo português oferecia à burguesia indígena, estava acondicionada ao grau da sua cultura e, pelos temas e motivos, lisonjeava-lhe a dignidade política e social em que se considerava investida.
Já dissemos que Garrett estabelecera em doutrina e na prática o que havia de constituir a estética literária do primeiro romantismo português e suas sequelas: estudo do Portugal medievo, onde, segundo ele e Herculano, existia em potência o autêntico Portugal com as suas vigorosas forças criadoras, que só o povo guardava ainda nos seus costumes, crenças e tradições». In Castelo Branco Chaves, O Romance Histórico no Romantismo Português, Instituto de Cultura Português, Centro Virtual Camões, Instituto Camões, oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, 1980.

Cortesia do Instituto Camões/JDACT