sábado, 8 de setembro de 2012

Sanjay Subrahmanyam. O império Asiático Português, 1500-1700. «O domínio muçulmano sobre o futuro Portugal foi desigual quer no tempo, quer no espaço. Em algumas regiões, como as ao norte do rio Douro, os Árabes tiveram uma presença intermitente, tendo sido expulsos logo na segunda metade do século VIII, regressando apenas no século X por um breve período»


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O Estado e a Sociedade Portuguesa, 1200-1500
Coroa e Nobreza
«Situado numa das extremidades da massa continental da Eurásia, uma finisterra virada para África e para o ainda desconhecido Atlântico, o Portugal de 1450 estava em posição excepcional para criar um modelo de império colonial que seria repetidamente imitado nos séculos seguintes. No século VIII, o Sul do que viria mais tarde a ser Portugal caíra sob o domínio de Musa bin Nusayr, que havia acabado de percorrer Marrocos e que chegaria até à Galiza; o seu filho Abd al-Aziz tomou as cidades de Beja e Évora no ano de 712. Num ou noutro período, todas as partes de Portugal estiveram sob domínio árabe. A cidade nortenha de Braga, para alguns o coração de Portugal, só foi reconquistada no século X, e a cidade do centro de Portugal, Coimbra, só no seguinte. A luta contra o domínio islâmico, árabe ou berbere, marcou profundamente a mentalidade portuguesa medieval. Chamados de mouros devido à sua associação à Mauritânia, o nome romano para o Magreb, estes adversários tomaram-se os ‘espantalhos’ para os ideólogos nacionalistas ao longo de muitos séculos. Pois, num certo sentido, os Mouros foram as parteiras que assistiram ao nascimento da nação portuguesa, e uma vez chegada à adolescência, a nação sentia ainda a necessidade de definir a sua identidade em oposição aos mesmos.
O domínio muçulmano sobre o futuro Portugal foi desigual quer no tempo, quer no espaço. Em algumas regiões, como as ao norte do rio Douro, os Árabes tiveram uma presença intermitente, tendo sido expulsos logo na segunda metade do século VIII, regressando apenas no século X por um breve período. Esta região, incluindo o sul da Galiza, Trás-os-Montes e o Minho, tornou-se o berço da jovem nação portuguesa: o próprio nome de Portugal deriva da cidade de Portucale, perto do actual Porto, sede do Condado de Portucale nos tempos de Afonso III de Leão, nos meados do século X. Mais a sul, a região entre os rios Douro e Tejo, ou seja, a maior parte da área da Beira e Estremadura permaneceu disputada entre diversas forças, incluindo as coroas de Leão e Castela por um lado, e os califas de Córdova por outro. Nos finais do século X, Muhammad bin Abi Amir, ou al-Mansuf, ‘o Vitorioso’, que reinava de facto sobre Córdova, procedeu a uma série de expedições devastadoras a Santiago, Coimbra e outros centros desta região. Porém, apenas meio século depois, o poder de Córdova entrou em colapso; Coimbra foi reconquistada em 1064, e nos princípios do século XII surgiu uma nova ordem.
Esta ordem é geralmente associada ao fundador-rei de Portugal Afonso Henriques (1106-85), cujo pai adquirira os condados, primeiro de Coimbra, depois de Portucale nos finais do século XI, e cuja primeira sede de poder foi a cidade de Guimarães. Como demonstram os recentes e profundos estudos de José Mattoso e de outros, no norte e centro de Portugal surgiu nos finais do século XI uma nobreza bem definida, tomando o lugar da nobreza condal anterior, que havia em grande parte estado dependente do apoio e legitimação por parte de Leão. As guerras dos finais do século X e início do século XI quebraram a espinha dorsal do poder condal; a linhagem dos condes de Coimbra, por exemplo, extinguiu-se devido às invasões muçulmanas, enquanto que os condes de Portucale tiveram que deixar os seus territórios para a Galiza.
Quando o Califado de Córdova caiu em 1031 e foi substituído por um sistema de estados muçulmanos taifa, ou ‘reinos separados’ relativamente pequenos, estabelecidos em centros como Saragoça, Sevilha, Toledo e Badajoz, quem estava habilitado a tirar proveito da confusão que se seguiria seria então não a nobreza condal mas uma nova gente da média nobreza, os chamados infanções». In Sanjay Subrahmanyam, O Império Asiático Português, 1500-1700, Uma História Política e Económica, Difel, Memória e Sociedade, 1995, Fundação Oriente, ISBN 972-29-0328-4.

Cortesia da Difel/JDACT