sábado, 20 de outubro de 2012

As Navegações e a sua Projecção na Ciência e na Cultura. Luís Albuquerque. «Os Reis Católicos podiam igualmente pretender alcançar o Oriente, desejo que se tornou mais forte depois das viagens de Diogo Cão, que deixaram prever ser possível atingir o mercado das especiarias pela rota de Africa»

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A descoberta do mundo pelos Ibéricos
«No entanto, os piratas espanhóis começaram a perseguir e a pilhar os navios portugueses provenientes da Mina, prática encorajada pela rainha Isabel e seu marido, Fernando, apesar dos protestos levantados por Portugal e mesmo pelos próprios piratas, que se viam obrigados a pagar à Coroa um quinto do espólio apreendido nos assaltos marítimos.
Temos razões para afirmar que esta época foi caracterizada pela luta pelo domínio do Atlântico entre os dois reinos ibéricos. As Canárias não conseguiam satisfazer o reino de Castela e Aragão, porque o casal reinante tinha outros interesses: a pesca, os escravos e o ouro. A pesca praticava-se sobretudo ao largo da actual Mauritânia, como ainda hoje se verifica, e era absolutamente necessário assegurar o acesso a esse mar. Por outro lado, a necessidade de mão-de-obra agrícola fazia-se sentir em toda a Península, facto comprovado pelos documentos: com efeito, sabemos que, no último quartel do século XV, no Sul da Andaluzia, um quarto dos nascimentos registados nalgumas paróquias eram filhos de africanos. A maior parte destes escravos era comprada em Portugal, onde o seu número talvez fosse ainda mais elevado (não há indicações precisas sobre esta questão).
É verdade que os portugueses souberam defender o seu comércio, mas é também indiscutível que, até à assinatura do Tratado de Tordesilhas (1494), se viveu um clima de relações difíceis entre os dois reinos, uma vez que ambos pretendiam dominar o Atlântico. Para os portugueses, o Atlântico era ‘o seu oceano’; tinham necessidade de ter o Atlântico livre, quer para os seus navios, quer para as manobras marítimas que guiavam esses navios sob as condições mais favoráveis, desde a costa da Mina até Portugal, por exemplo: depois da viagem de Vasco da Gama tornou-se ainda mais viva para a coroa portuguesa a necessidade de dominar, no Atlântico Sul, um vasto espaço navegável.
Devemos salientar agora que:
  • O reino de Castela-Aragão teria desejado partilhar com os Portugueses a exploração de África com objectivos comerciais;
  • Os Reis Católicos podiam igualmente pretender alcançar o Oriente, desejo que se tornou mais forte depois das viagens de Diogo Cão, que deixaram prever ser possível atingir o mercado das especiarias pela rota de Africa.
Penso que o acordo entre os dois países só foi possível porque Colombo descobriu a América Central, julgando ter chegado ao Oriente. E, é necessário dizê-lo, se Colombo pensou ter chegado à Ásia depois da sua primeira viagem, manteve mais tarde o seu erro para consolidar o apoio da coroa de Castela-Aragão; com efeito, não podemos acreditar que um homem como Colombo não tivesse percebido, ao longo das suas viagens, que se encontrava bem distante do seu objectivo. Todas as explicações geográficas e cosmográficas perderam parte do seu valor quando confrontadas com a experiência adquirida pelo navegador nos seus contactos com os povos das Antilhas e dos países continentais vizinhos.
Não me esqueço de que o cosmógrafo e filósofo Oresme escreveu, a propósito da esfericidade da Terra, sobre a possibilidade de se fazer o que Colombo tentou; o manuscrito de Oresme é uma (experiência pensada; Colombo tê-lo-á conhecido? Julgo que a realidade era para um navegador mais importante do que as prováveis leituras nos livros do passado.
De qualquer modo, foi a chegada de Colombo à América que eliminou, durante alguns anos, os problemas existentes entre Portugal e Castela. Esta viagem foi significativa porque permitiu o estabelecimento de um acordo entre os dois países; acordo esse igualmente significativo porque foi realizado sem interferência do papa, apesar das tentativas de intervenção por este realizadas. Este facto não tinha precedentes no seio da cristandade: era, na realidade, a primeira vez que dois países assinavam um acordo sem o conselho da Cúria Romana. Na minha opinião, o Tratado de Tordesilhas, assinado a 7 de Junho de 1494, constituiu uma vitória para os dois reinos que se confrontavam. Para João II, o Tratado representava a certeza de vir a ser dono e senhor de uma vasta parte do oceano Atlântico, que os seus navios iriam explorar a seu gosto; o rei podia assim mandar navegar o seus navios nas águas que “lhe pertenciam”, sem ter necessidade de invadir domínios dos outros.
Para Isabel e Fernando, o tratado assegurava a exploração e o comércio nas terras que Colombo tinha talvez descoberto no Oriente, segundo a opinião de muita gente interessada e optimista; os resultados da primeira viagem realizada antes da assinatura do Tratado eram, sob este aspecto, muito prometedores.


Com o Tratado de Tordesilhas, as linhas relativas ao descobrimento do mundo ficaram definidas até à segunda metade do século XVI, altura em que os Franceses, os Ingleses e os Holandeses se empenharam em grande força na navegação de longo curso. Com efeito, Colombo e seus seguidores (Hojeda e Pinzón, entre os mais importantes) conheciam as Antilhas, a costa da América Central, a península da Florida e o Nordeste da América do Sul; Colombo visitou ele próprio a embocadura do Orenoco e explorou a costa norte deste rio; contudo, Pinzón precedeu-o de uma forma muito semelhante, a partir da costa do Nordeste do Brasil. Decorridos apenas alguns anos, os Espanhóis alcançaram a costa do Pacífico; é preciso reconhecer que a viagem de Magalhães e as explorações realizadas ao longo das costas da América do Norte e da América Central são factos que se devem considerar, de certo modo, independentes. O objectivo de Magalhães era atingir as Molucas, o que conseguiu, descobrindo ao mesmo tempo ilhas ainda pouco conhecidas, como as Filipinas. No que respeita às Molucas, é mais importante salientar que os Portugueses tinham alcançado este arquipélago dez anos antes dos Espanhóis e aí tinham estabelecido feitoria numa das ilhas. Com a chegada dos Espanhóis, o Tratado de Tordesilhas foi posto em causa. Com efeito, se o texto do tratado falava explicitamente de um semimeridiano que dividia o Atlântico em duas zonas de influência, as Molucas, com a sua produção de especiarias muito valiosas, obrigava a que se alargasse, de imediato, a divisão do mundo ao outro hemisfério, através do semimeridiano oposto ao semimeridiano atlântico. O problema que se punha era saber onde se colocava este último semimeridiano, pois, muito embora os métodos astronómicos da determinação de longitudes fossem sobejamente conhecidos nesta época, nas suas aplicações práticas cometiam-se erros enormes». In Luís Albuquerque, As Navegações e a sua Projecção na Ciência e na Cultura, Gradiva, Colecção Construir o Passado, 1987.

Cortesia de Gradiva/JDACT