domingo, 7 de outubro de 2012

Cartas Portuguesas. Soror Mariana Alcoforado. Breve nota sobre ‘as Cartas’.«Num tema de larga predominância em todos os géneros de expressão literária, as famosas “Cartas” encontraram acentos ímpares em que a veemência e a intensidade da paixão sobrelevam…»



Ilustração de José Ruy
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‘… só conheci bem o excesso do meu amor quando quis fazer todos os esforços para me curar dele’

«As ‘Cartas Portuguesas’ não são apenas uma obra-prima. São também, e não será exagero afirmá-lo, um casso único na literatura universal. Não queremos referir-nos ao seu valor intrínseco, embora este seio também de sublinhar. Num tema de larga predominância em todos os géneros de expressão literária, as famosas “Cartas” encontraram acentos ímpares em que a veemência e a intensidade da paixão sobrelevam, pensamos, quanto em todas as latitudes já foi escrito.
Mas a esta característica de intensidade haverá que juntar algo de maís importante:
a ‘navidade’ do amor que ali se exprime. De facto, não é apenas um amor maior aquilo que ressalta das páginas ardentes em que a pobre freira abandonada vaza os segredos do seu coração. E um amor diferente, uma forma diferente de amar, em que muitos julgam entrever a caracterização da alma do povo que lhe deu origem. Se (…) pôde ver ali uma paixão como nunca houve mais nobre, mais grave nem mais ardente, nós lembramos a expressão de Júlio Dantas pela boca de um dos seus personagens: ‘Como é diferente o amor em Portugal!’
Trata-se, com efeito, de um Amor com ‘marcas’ novas, o amor da dedicação total, o amor em que a totalidade do ser se encontra empenhada, o amor extremo em que o pensamento do ‘outro’ é o valor a que se reportam e se subordinam todas as opções, o amor em que o eu praticamente se aniquila, encontrando a sua subsistência apenas no dar-se, no estar para… ‘Amo-te perdidamente’, escreve a certa altura a autora das “Cartas”, e respeito-te o bastante para não ousar talvez desejar que sejas atingido pelos mesmos arrebatamentos [...] Se eu já, não posso remediar os meus males, como poderia suportar a dor que me dariam os teus e que me seriam mil vezes maís dolorosos?’ E mais adiante: ‘Sou tão ciumenta da minha paixão, que até me parece que todas as minhas acções e que todos os meus deveres a ti se referem’.
Mas para quê acumular citações? Todas e cada uma das páginas das “Cartas” poderiam constituir uma única e longa citação onde se pode ler a maneira portuguesa de amar, um dos traços característicos da maneira portuguesa de estar no mundo e de encarar a vida.

Ora., é justamente aqui, se tentarmos definir o poema de amor que são as “Cartas Portuguesas” como testemunho do carácter e da mentalidade portuguesa, que surge o problema da autenticidade das “Cartas”. E também aqui o problema, apresenta características especialíssimas e julgamos serem únicas». In Soror Mariana Alcoforado, Cartas Portuguesas, texto da primeira edição francesa de 1669, Europa América, 1974.

Cortesia de P. Europa-América/José Ruy/ JDACT