segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Serões na Aldeia. Poesia. Política. «Desejei que tu fosses sombra e folhas no limite sereno dessa praia. E desejei: ‘Que nada me distraia dos horizontes que tu olhas!’ Mas frágil e humano grão de areia não me detive à tua sombra esguia»


Pintura de Maluda
jdact

Paisagem
Desejei-te pinheiro à beira-mar
para fixar o teu perfil exacto.

Desejei-te encerrada num retrato
para poder-te contemplar.

Desejei que tu fosses sombra e folhas
no limite sereno dessa praia.

E desejei: «Que nada me distraia
dos horizontes que tu olhas!»

Mas frágil e humano grão de areia
não me detive à tua sombra esguia.

(Insatisfeito, um corpo rodopia
na solidão que te rodeia.)
David Mourão-Ferreira, in "A Secreta Viagem"

Pintura de Maluda
jdact

O Corpo Os Corpos
O teu corpo… O meu corpo… E em vez dos corpos
que somados seriam nossos corpos
implantam-se no espaço novos corpos
ora mais ora menos que dois corpos

Que escorpião de súbito estes corpos
quando um espelho reflecte os nossos corpos
e num só corpo feitos os dois corpos
ao mesmo tempo somos quatro corpos

Não indagues agora se o meu corpo
se contenta só corpo no teu corpo
ou se busca atingir todos os corpos

que no fundo residem num só corpo
Mas indaga sem pausa além do corpo
o finito infinito destes corpos
David Mourão-Ferreira, in “Obra Poética”

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