sábado, 10 de novembro de 2012

Eleonor na Serra de Pascoaes. António Cândido Franco. Leituras. «Esse poema, composto por dezanove cantos, num total de 3420 versos, é o poema publicado em 1911, “Marânus ou Marános”. Poemas como ‘Regresso ao Paraíso’, ‘O Doido e a Morte’, para só citar os mais vizinhos da época da ‘Renascença Portuguesa’, continuam assim mergulhados no seu esquecimento…»

Desenho de deliovargas
jdact

 Tenho sido, até hoje o o homem mais independente deste mundo, e desejo ardentissimamente continuar a sê-lo. Não almejo o apreço dos confrades em letras, que não conheço e não procuro conhecer. Os meus livros só são oferecidos a amigos, ou a curiosos que vêm ter comigo: jamais aos mestres e literatos que dão diplomas de talento’. In António Sérgio.

«Nada se sabe ainda de grande parte da mais importante poesia portuguesa. Camões só agora começa a ser compreendido. Sem os estudos de Jorge de Sena (com quem discordo profundamente do estilo polémico e agressivo com que praticou a crítica literária, estilo esse que copiado mostra hoje à evidência nos seus epígonos actuais os defeitos e as deficiências, mas a quem muito admiro no trabalho e na criação), de Fiama Hasse Pais Brandão e de António Telmo, ‘Os Lusíadas’ arriscar-se-iam hoje a ser qualquer coisa de profundamente antipático à mentalidade contemporânea. António Telmo leu o poema a partir de um tapete persa do século XIV, contribuindo desse modo, na esteira dos trabalhos de Jorge de Sena e de Fiama, para desmentir definitivamente uma das ideias que mais impede uma visão futurante de ‘Os Lusíadas’:
  • a de ser ele uma exaltação cega da religião católica romana e dos descobrimentos portugueses estarem nele subordinados a essa mundividência primeira.
O estudo não é sobre a poesia de Camões, ainda tão incipientemente conhecida que só hoje é que começamos a vislumbrar a heterodoxia extraordinária que nela lavra, mas sobre a de Teixeira de Pascoaes, poeta que, no dizer compreensivo e fecundo de Joaquim Carvalho, “arrebatou o espírito português às anónimas e sempre actuantes forças da estratificação da beleza, da rotina da locução e da inércia do pensamento, opondo-lhes a transfiguração da sua arte, a pujança do seu génio criador e a sugerência das suas intuições primordiais”. Não se trata contudo de um estudo de toda a obra ou até de toda a poesia de Pascoaes, já que este foi autor de alguns dos mais importantes livros em prosa que se escreveram na nossa ou em qualquer outra língua no século XX, mas tão só do estudo de um único poema. Esse poema, composto porém por dezanove cantos, num total aproximado de 3420 versos, é o poema publicado em 1911, “Marânus ou Marános”. Poemas como Regresso ao Paraíso, O Doido e a Morte ou Senhora da Noite, para só citar os mais vizinhos da época da Renascença Portuguesa, continuam assim mergulhados no seu esquecimento de muitos anos, à espera do intérprete activo capaz de lhes perceber o alto significado que os anima.
O desconhecimento que pesa sobre a obra de Pascoaes ó mais profundo e mais grave do que à primeira vista se possa pensar, ‘quando nos aproximamos do fim do século XX’ (1992). Sant'Anna Dionísio, no livro que dedicou em 1953 ao poeta, deu-se bem conta da situação quando disse:
  • 'Bastará, dizer isto, a revista Presença, que durante quinze anos representou o sumo e a nata do pensamento literário moderno em Portugal e em cujas colunas tantas coroas se teceram para enfeitar as frontes de tantos vates nativos e exóticos, nem uma palavra dedicou ao aparecimento de qualquer obra do Eremita de Amarante. E todavia durante esses quinze anos apareceram o São Paulo, o Santo Agostinho, o S. Jerónimo, o Napoleão, o Penitente, cinco obras que, por si só, dariam a imortalidade ao Poeta em qualquer literatura do mundo’.
Em 1976, vinte e três anos depois de Sant’Anna Dionísio escrever estas palavras, José Marinho, ao escrever sobre o pensamento português contemporâneo, chamou a nossa atenção, depois de nos ter dado uma interpretação criacionista da obra de arte como novo mundo intransferível e cujo conhecimento requer apurado e persistente labor, para a situação de abandono em que se encontra o estudo da poesia de Teixeira de Pascoaes, a quem de resto Marinho dedicou a sua dissertação de licenciatura:
  • ‘Uma obra de filosofia, de poesia ou de arte constitui um novo mundo, um novo universo. Solicita atenção contensa, receptividade ou entendimento paciente que garanta o acesso ao que tem de próprio e intransferível, cuidados de interpretação compreensiva poucas vezes cumpridos em breves dias ou semanas, requerendo anos ou decénios de repetido e múltiplo labor’.
In António Cândido Franco, Eleonor na Serra de Pascoaes, Edições Átrio, Lisboa, Colecção o Chão do Touro, 1992, ISBN-972-599-042-0.

continua
Cortesia de Átrio/JDACT