quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Portugal e a China. Conferências. Séculos XVI-XIX. Coordenação de Jorge Santos Alves. «Em Maio de 1520, depois de três meses de caminho, Tomé Pires e os seus companheiros chegavam a Nanquim, capital imperial do Sul. O imperador Zhengde encontrava-se nessa cidade, onde dirigia as operações militares contra um príncipe que se revoltara»


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A Malograda Embaixada de Tomé Pires a Pequim
Rui Manuel Loureiro
«Entre 1517 e 1518, uma importante expedição naval portuguesa, sob o comando de Fernão Peres de Andrade, visitou o litoral meridional da China, com o objectivo de normalizar as relações mercantis que tinham sido iniciadas poucos anos antes. A bordo desta armada seguira Tomé Pires, o primeiro emissário português despachado para aquele longínquo império, que fora desembarcado em Cantão com uma comitiva constituída por mais de duas dezenas de pessoas, para aí aguardar autorização imperial para prosseguir em direcção a Pequim. Em Agosto de 1519, quando Simão de Andrade conduziu uma nova expedição lusitana ao litoral chinês, a missão portuguesa ainda se encontrava na mesma cidade, após dois longos anos de espera. A demora parece ter ficado a dever-se, em parte, ao facto de o imperador Zhengde, durante esse período, se ter ausentado frequentemente de Pequim, atrasando assim todo o normal expediente imperial. Para além disso, a lentidão e a meticulosidade da burocracia sínica também contribuiriam para dificultar o despacho da embaixada. Os portugueses apresentavam-se pela primeira vez às autoridades chinesas, que não podiam deixar de se interrogar sobre as origens deste povo navegante, previamente desconhecido nos mares extremo-orientais.
Nada transpira da documentação quinhentista sobre as actividades dos membros da embaixada durante esse longo período de espera, mas é provável que se tivessem dedicado à mercancia Embora a comitiva ficasse alojada num edifício próprio, especialmente destinado às missões estrangeiras, as despesas da estada corriam por conta dos portugueses, como expressamente exigira Fernão Peres. Anos mais tarde, um dos companheiros de Tomé Pires informaria que tinham ficado com o embaixador, em Cantão, ‘Duarte Fernandez, criado de Dom Felipe, Francisco de Budoya, criado da senhora commandadeyra, e Christovão d'Almeida, criado de Christovão de Távora, Pero de Freitas e Jorge Alvarez’, para além de ‘Christovão Vieira, e doze moços servidores, cinquo iurubaças’.
Tomé Pires e os seus companheiros partiram de Cantão em direcção à capital chinesa, a 23 de Janeiro de 1520, quase três anos depois de desembarcarem pela primeira vez naquele porto chinês. A embaixada largou da grande metrópole meridional a bordo de três embarcações semelhantes a fustas, movidas a remo, que estavam cobertas com toldos e hasteavam bandeiras imperiais. O interior da China era sulcado por numerosos rios amplamente navegáveis, para além de existir uma densa rede de canais, metaforicamente designados por Grande Canal, que permitiam a realização de longas viagens fluviais através de quase todo o império. Graças a este sistema de comunicações, era possível efectuar, numa embarcação, grande parte do trajecto entre Cantão e Pequim. Como escreveria mais tarde Cristóvão Vieira, um dos membros da embaixada, toda a ‘pasajem e caminhos na terra da China hé em rios, porque toda a China hé cortada dos rios’.
Deste modo, a missão portuguesa apenas teve de desembarcar em Nanxiong, para a travessia das Serras de Meilin, a que Barros chama ‘Malenxam’, que se estendem na fronteira entre as províncias de Guangdong, Jiangxi e Fujian. Daqui, Tomé Pires escreveu pela primeira vez a Simão de Andrade por um mensageiro chinês, comunicando-lhe os sucessos da jornada. Apesar de se elevar a cerca de três mil metros de altitude, a serra era provida de caminhos calcetados, embora ‘muito ingremes e trabalhosos’, que provocaram a admiração dos portugueses. Assim, foi possível atingir Nanan, do outro lado deste maciço montanhoso, já na província de Jiangxi, num curto espaço de tempo, utilizando ‘mulatos e asnos’, para aí retomar a rota fluvial. Um dos membros da comitiva, Duarte Fernandes, que já ia doente, faleceu durante esta parte do percurso.
Em Maio de 1520, depois de mais de três meses de caminho, Tomé Pires e os seus companheiros chegavam a Nanquim, capital imperial do Sul. O imperador Zhengde encontrava-se então nessa cidade, onde dirigia pessoalmente as operações militares contra um príncipe que se revoltara. De Nanquim, os portugueses escreveram pela segunda vez para Cantão, afirmando que se tinham avistado com o imperador, notícias estas que chegaram às mãos de Simão de Andrade antes da sua partida para Malaca. Dois documentos da época afirmam de um modo explícito que Tomé Pires se encontrou pessoalmente com Zhengde. Por um lado, uma carta de Martim Coutinho, que se baseava em notícias recebidas em Cantão por Simão de Andrade, em 1520, refere que Tomé Pires fora extremamente bem recebido em Nanquim e que ‘folgaua tanto elRey dos chyns com ele’, que ‘nam cavalgaua sem elle e a caça o levava muytas vezes a lhe mostrar seus desemfadamentos’. Por outro lado, uma carta de Cristóvão Vieira declara que os portugueses, naquela cidade, viram ‘o rey em pessoa’, apesar de ser costume chinês o imperador ‘nunca sair de seus aposentamentos’. Além disso, o companheiro do embaixador acrescenta que Zhengde se avistara repetidamente com os nossos, chegando mesmo a jogar ‘com Thomé Pirez às távolas’».
In Coordenação de Jorge Santos Alves, Portugal e a China, Conferências, Séculos XVI-XIX, Fundação Oriente, Lisboa, 1997-1998, ISBN 972-9440-92-1.

Cortesia da F. Oriente/JDACT