segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Cadernos de Poesia. Uivo. Allen Ginsberg. «Digam o que quiserem!... O espírito do amor sobrevive para enobrecer as nossas vidas, se tivermos o bom senso, a coragem e a arte de persistir»



(1926-1997)
Newark, Nova Jersey, USA
jdact

Uivo
Vi os melhores espíritos da minha geração destruídos
pela loucura, morrendo à fome histéricos
nus.

Arrastando-se de madrugada pelas ruas dos negros
à procura da droga urgente imperiosa.

Tipos fixes com cabeleiras de anjo ansiando pela
antiga conexão celeste ao dínamo de estrelas na
maquinaria da noite.

Que pobres e rotos e olheirentos e bêbados ficavam
a fumar na escuridão sobrenatural de apartamentos
com água fria flutuando sobre os telhados
das cidades contemplando o jazz.

Que puseram a nu os cérebros perante o Céu
debaixo do elevated e viram anjos maometanos
cambaleando em cima de prédios de habitação
iluminados.

Que frequentaram universidades com olhar lúcido
e iridiscente alucinando com tragédias de Arkansas
e com a luz de Blake os eruditos da guerra.

Que foram expulsos das academias por praticarem
& publicarem odes loucas e obscenas nas janelas
do cérebro.

Que se acobardaram nos quartos por barbear em
cuecas, queimando o seu dinheiro em cestos de
papéis e ouvindo o Terror do outro lado da
parede.

Que levaram pancada nas barbas púbicas ao regressar
a New York por Laredo com um carregamento
de marijuana escondido na roupa.

Que comeram fogo em hotéis baratos ou beberam
terebintina na Rua do Paraíso, morte, ou flagelaram
os torsos noite após noite.

Com sonhos, com drogas, com pesadelos intermitentes,
álcool e pássaro e tomates sem fim.
Incomparáveis becos sem saída de arrepiadoras
nuvens e relâmpagos no espírito saltando para
postes do Caminho de Ferro Canadá & Paterson,
iluminando todo o imóvel mundo do Tempo
entre eles.

Solidez de mescalina das antecâmaras, madrugadas
dos cemitérios de árvore verde no pátio de trás,
embriaguez de vinho sobre os telhados, vilórias
de montras sinais de trânsito piscando néon e
orgias nos automóveis, sol e luz e vibrações de
árvores nos rugidores crepúsculos de inverno de
Brooklyn, ruidosos caixotes de lixo e espírito
amável e leve e soberano.

Que se acorrentaram a carruagens do metropolitano
para a interminável viagem da Battery para a
Bronx sagrada com benzedrine até que o ruído
das rodas e das crianças os derrubou tiritando
com as bocas partidas e batidos cérebros obscurecidos
esvaziados de brilho na luz lúgubre
do Jardim Zoológico.

continua
JDACT