sábado, 15 de dezembro de 2012

Judeus e Cristãos Novos no distrito de Portalegre. Maria Ferro Tavares. «O porco raramente entrava na sua alimentação, só o comendo por receio diante dos cristãos velhos, quando não havia o pretexto de uma indisposição para o substituir por outro prato. Refogavam a cebola com azeite e não com o toucinho, como estes»

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«Atentemos neste exemplo de uma família, em lato sensu, elvense. Afonso Rodrigues e Catarina Álvares, casal de judeus baptizados em l497, natural de Elvas, viram chegar à idade adulta seis filhos, dois dos quais seriam relaxados, já velhos, um em Évora e outro em Llerena. Mor Rodrigues uma das suas filhas, entregue à justiça secular em Évora, com cerca de 75 anos, teve, do seu casamento com João Álvares, alfaiate, também seis filhos . Um deles, Álvaro Fernandes casaria com Isabel Rodrigues, filha de Maria Rodrigues, sua tia, provavelmente uma irmã de sua mãe.
O casal Afonso Fernandes e Isabel Rodrigues, irmã de João Álvares, marido de Mor Rodrigues, viria a ter dez filhos. Um deles, de nome Álvaro Fernandes , como seu primo, casaria com Leonor Alvares , filha de Simão Rodrigues, irmão da tia por afinidade, etc..
Nem sempre os casamentos eram feitos entre membros da mesma comunidade, mas também com os das comunidades vizinhas, como Badajoz, Alter do Chão, Cabeço de Vide, Portalegre, etc.. Em casa trabalhavam as filhas com a mãe e algumas escravas pretas e serviçais, nas famílias mais abastadas, Além da lida da casa, a mulher dobava, fiava, tecia; amassava o pão que cozia em forno próprio ou não; cozinhava a carne e o peixe e fazia bolos em alturas de festas, como os folares e as queijadas.
O porco raramente entrava na sua alimentação, só o comendo por receio diante dos cristãos velhos, quando não havia o pretexto de uma indisposição para o substituir por outro prato. Refogavam a cebola com azeite e não com o toucinho, como estes. Tirar o sebo à carne e dessangrá-la, salgando-a e lavando-a, eram tidos como costumes judaicos, assim como a degolação dos animais sem aproveitamento do sangue. À mulher caberia a transmissão do fabrico dos bolos ázimos pela Páscoa Judaica, assim como a permanência de certos pratos de guisado, como o designado adefina. Era ela também quem mudava, de motu proprio ou instigada por outrém, a roupa da casa às sextas feiras, limpava e acendia as candeias com azeite e torcidas novas por honra do sábado.
A família era o meio difusor ideal da transmissão e permanência da tradição e da Lei mosaica. Em casa de algumas mulheres viúvas de Elvas fazia-se sinagoga clandestina, como na de Mor Rodrigues. No entanto, as famílias cristãs-novas destes concelhos alentejanos encontravam-se em desagregação por força da Inquisição (maldita) e dos interesses económicos. Uns fixavam-se em Lisboa, como Luís Gonçalves Pache, mercador; outros em Santarém, como Manuel Rodrigues, tratante. Mas a maioria partia para Castela, Flandres, o Golfo, a Índia, o Perú.
O reino vizinho era o refúgio mais próximo mas nem sempre o mais feliz. A chegada de imigrantes tornava os inquisidores desconfiados e muitos dos cristãos-novos portugueses residentes em Badajoz, Montijo, Granada, Albuquerque, etc. acabariam por ser apanhados pela Inquisição (maldita) de Llerena, Uns seriam relaxados, como os pais de Diogo Álvares Soriano, mercador de Elvas, outros a maioria, sairia com hábito penitencial e cárcere, como Afonso Álvares e Mor Fernandes, irmãos de Beatriz Álvares, mulher de mestre Henrique de Elvas, Mécia Rodrigues e seu marido, Álvaro Rodrigues, também daqui naturais e a residirem no Montijo, Miguel Fernandes de Portalegre, etc..


Badajoz era de longe a comunidade do reino vizinho que, dada a sua proximidade e relacionamento familiar com Elvas, sobretudo, mais cristãos novos portugueses teria. Mas não era a única. O comércio levava-os a estabelecerem-se também, quer por conta própria , quer por conta de um familiar mais rico que permanecia em Portugal, como veremos, em Sevilha, Córdova, Granada, Málaga e até mais longe como Valença de Aragão e Múrcia». In Maria Ferro Tavares, Judeus e Cristãos Novos no distrito de Portalegre, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Acta do I Encontro da História Regional e Local, Setembro de 1987.

Cortesia da FCSHUNL/JDACT