quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Lisboa Islâmica. José Luís Matos. «As fábricas romanas de salga de peixe do “esteiro da Baix” continuaram a laborar pelo menos até ao século V. Os arqueólogos encontraram olarias e ferrarias de época muçulmana que fariam parte dos arrabaldes mencionados pelo cruzado que escreveu a Osberto acerca da conquista de Lisboa aos mouros»


A cidade e as muralhas islâmicas
jdact e cortesia de institutocamoes
 
Luxbuna. A Medina e os Arrabaldes
As portas da cidade antiga interrompem ainda hoje a linha de edifícios e todo o conjunto materializa a presença das antigas muralhas. Mas é sobretudo a ocupação do território na área da Cerca Fernandina, um de defesa datado do século XIV, erguido para proteger os antigos arrabaldes púnicos, romanos e islâmicos de Lisboa, que mostra características mais antigas. Os velhos povoamentos de época islâmica possuem dentro desta Cerca exterior da cidade maior visibilidade que os do interior da Cerca Moura.
Os subúrbios que a muralha tardo romana deixou de fora, constituíram já na antiguidade várias áreas urbanas. A fortificação protegia apenas o núcleo mais importante da civitas imperial, já que muitos templos, armazéns portuários, balneários, o circo ou hipódromo, e sobretudo a extensa zona industrial do esteiro da Baixa, uma área onde a actividade fabril existia desde pelo menos trezentos anos antes de Olisipo ter sido ocupada pelos romanos, foram excluídas.
Essas áreas, porém, nunca se perderam para a Cidade. As fábricas romanas de salga de peixe do esteiro da Baixa continuaram a laborar pelo menos até ao século V. Sobre elas os arqueólogos encontraram olarias e ferrarias de época muçulmana que fariam certamente parte dos arrabaldes mencionados pelo cruzado que escreveu a Osberto acerca da conquista de Lisboa aos mouros (Conquista de Lisboa aos Mouros – Narrações pelos cruzados Osberno e Arnulfo, complemento ao volume II de Lisboa Antiga de Júlio de Castilho, Lisboa, 1936).
O antigo porto romano e islâmico já referido, localiza-se na foz de um esteiro onde desaguam duas das ribeiras que configuraram, em toda a extensão, os povoados suburbanos à margem ocidental de Olisipo e Luxbuna. Perto do porto localizou-se a mancha urbana das judiarias que ocupavam em época medieval uma área vasta. Unicamente através de testemunhos literários conhecemos hoje os espaços ocupados na antiguidade pelas judiarias, mas elas continuam presentes na Cidade através dos
negativos urbanos.
A norte das judiarias, existiu em época islâmica um porto fluvial na confluência da Baixa e, na Costa do Castelo, o núcleo cristão de Santa Maria de Alcamim-Santa Justa e Rufina. Mais a norte, sobre a ribeira de Arroios, junto ao Martim Moniz, ergueu-se a Mouraria, provável núcleo urbano de época islâmica com uma história longa e complexa em época cristã. No arrabalde oriental, no alto da encosta da Mouraria, localiza-se o núcleo urbano de S. Vicente, separado fisicamente da comuna de Alfama-Alcaçarias que fica mais abaixo.
Alfama é, segundo o viajante árabe Edrisi, o centro da cidade islâmica onde existiam banhos quentes, Alfama – termo que originou o topónimo Alfama, à beira do porto. Este bairro mantém ainda hoje, juntamente com a Mouraria, características que têm sido classificadas como islâmicas. Permita-se-nos desde já uma breve análise do assunto. Alfama e Mouraria entram na categoria lisboeta de bairros populares. Essa é uma designação aplicável a conjuntos urbanos que se configuram exteriormente como entidades individualizadas e quase autónomas, que utilizam interiormente grande diversidade de soluções na ocupação do espaço e sistemas construtivos dotados de uma autonomia interna que escapa à lógica do ordenamento racional do espaço urbano como um todo. Aí coexistem na verdade variados tipos de edificações ao longo de ruas e ruelas estreitas e tortuosas e em torno de pátios, muitas vezes privados, ou de adros das igrejas que organizam o domínio público – religioso.
Deve acrescentar-se que Alfama e Mouraria não são diferentes por terem tido uma origem islâmica ou por serem mouras». In José Luís Matos, Instituto Camões, Colecção Lazúli, 1999, ISBN 972-566-204-0.

Cortesia de Instituto Camões/JDACT