quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O Processo de Damião de Goes na Inquisição. Raul Rêgo. «… e assim em sua casa, que havia medo que haviam de prender o dito Damião de Goes por luterano e por ser inclinado duas coisas, a saber: a comer e beber muito e às coisas da carne»

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Testemunho do duque de Aveiro, João de Alencastre
«Aos vinte e cinco dias do mês de Maio de mil quinhentos e setenta e um anos, em Lisboa, o senhor Simão Sá Pereira, Inquisidor (maldito), foi às casas e aposento do Ilustríssimo Senhor João, duque de Aveiro, por causa de sua Ilustríssima Senhoria estar mal disposto e não poder ser perguntado em outra parte; e lhe deu juramento dos Santos Evangelhos, em que pôs sua mão, e prometeu dizer verdade.
E lhe fez pergunta se sabia Sua Senhoria de alguma pessoa que fizesse ou dissesse alguma coisa contra nossa Santa Fé Católica; e por ele foi dito que não sabe outra coisa somente que haverá, digo, que de tempo certo se não lembra, somente foi depois que começa a capela em o mosteiro de São Domingos da cidade de Coimbra, na capela-mor, que fez para sua sepultura, veio a falar com Damião de Goes, que ora está preso no Santo Ofício (maldito), sobre a dita capela; e nesta prática lhe disse o dito Damião de Goes que olhasse Sua Ilustríssima se seria mais seguro fundar a dita capela em uma igreja paroquial que em mosteiro; e Sua Senhoria lhe não respondeu coisa que lhe lembre. Somente depois que o viu preso lhe pareceu que dizia o dito Damião de Goes aquilo porque em Alemanha desfaziam alguns mosteiros e que as paróquias ficavam; e por isso lhe disse que seria mais seguro e de mais dura fundar a dita capela na paróquia que em mosteiro.
E assim é mais lembrado dizer-lhe o padre Mestre Simão que, em França ou em Itália, tinham ao dito Damião de Goes por suspeito pela comunicação que tinha com Erasmo, segundo sua lembrança; mas que se afirma dizer-lhe o dito Mestre Simão que se tinha suspeita da cristandade do dito Damião de Goes e que em tudo isto advertiu muito pouco ou nada, senão depois que o viu preso pelo Santo Ofício (maldito) e o contou a Pedro seu filho, o qual avisou o Santo Ofício (maldito) por uma carta. E que de outra coisa não é lembrado.
E ao costume disse nada e lhe foi encomendado o segredo deste caso, e ele o prometeu, e assinou com ele senhor Inquisidor (maldito) e eu João Velho, notário apostólico, o escrevi - o duque… - Simão Sá Pereira.

Testemunho de Dona Maria de Távora
Aos vinte e um dias deste mês de Maio de mil quinhentos e setenta e um anos, em a cidade de Lisboa, nas pousadas da Srª Dona Maria de Távora, dona viúva, mulher que foi de António Teixeira da Silva, estando aí o senhor Simão Sá Pereira, Inquisidor (maldito), por ela dita senhora Maria estar doente em cama e não poder dar seu testemunho, nem poder ser perguntada em outra parte, lhe deu juramento aos Santos Evangelhos, em que ela pôs sua mão, e prometeu dizer verdade.
E lhe foi dito se era lembrada dizer-lhe os dias passados, a ele Inquisidor (maldito), certa coisa que lhe parecesse mal e a escandalizasse por ser contra nossa Santa Fé Católica, que lhe contaram de alguma pessoa. E por ela foi dito que lembrada era contar-lhe como Manuel Correia Meneses, morador na sua quinta do Carregado, termo de Alenquer, no campo da Marinha, casado com dona Joana de Távora, sua sobrinha, haverá quinze dias pouco mais ou menos, lhe disse que vindo ele com Bastião Macedo, veador da casa do cardeal infante Nosso Senhor, vindo ambos das quintas para esta cidade praticando pelo caminho acerca da prisão de Damião de Goes, lhe veio a dizer o dito Bastião Macedo que seu pai, Bastião Macedo, já defunto, dissera muitas vezes a ele seu filho, e assim em sua casa, que havia medo que haviam de prender o dito Damião de Goes por luterano e por ser inclinado duas coisas, a saber: a comer e beber muito e às coisas da carne». In Raul Rêgo, O Processo de Damião de Goes na Inquisição, Assírio & Alvim, 2007, ISBN978-972-37-0769-4, Peninsulares/57.

continua
Cortesia de Assírio & Alvim/JDACT