domingo, 15 de dezembro de 2013

Mulher de Ferro. D. Brites (Beatriz). 1429-1506. Maria Odete Martins. «… a pequenina infanta era próxima familiar das duas principais figuras donde emergiu a novel dinastia: ‘o rei e o seu condestável que, com a força do seu braço armado, abriu o caminho que levaria ao trono o Mestre de Avis’»

jdact

D. Brites
«Ao observarmos a tela exposta na igreja do extinto Mosteiro de Santa Maria da Conceição de Beja, em que se pretende representar a infanta D. Brites, deparamo-nos com uma figura serene, conforme, é certo, aos cânones a que deviam obedecer os retratos. E, todavia, a infanta, duquesa de Viseu e duquesa de Beja, foi uma mulher continuamente inquieta, prosseguindo objectivos que traçou e que nortearam a sua vida. A gravura inserta no manuscrito de Vasco Freire, intitulado Livro das antiguidades de Beja, apresenta uma imagem, em nosso entender, bem mais consentânea com a sua vincada personalidade. Ambas as imagens são posteriores, mas na gravura do manuscrito o iluminador, que talvez tenha lido ou ouvido contar o percurso de vida da infanta, captou um olhar enigmático, sagaz, próprio de alguém que se resguardava, que media o interlocutor, que calculava e calculava eventuais confrontos. Mas quem foi, afinal, a infanta D. Brites?
Qualquer biografia costuma iniciar-se com a referência à data de nascimento e ao local onde tal ocorreu, mas para os tempos medievais frequentemente não nos é possível precisar tais dados, face à ausência de registos. É o caso da infanta D. Brites. A crer na inscrição gravada na sua sepultura, e neste caso não temos razões para duvidar porquanto a cotejámos com outras fontes, faleceu em 1506, contando então 77 anos. Sendo assim teria nascido em 1429. Mas se chegamos a uma data, se bem que estimada, outro tanto não o poderemos fazer relativamente ao local onde abriu, pela primeira vez os olhos pera a vida. Belas? Azeitão? Alcochete? Estremoz? Palmela? Alcáçovas? Alcácer do Sal? Setúbal? Qualquer delas poderia ter sido berço da infanta. Mas se temos suporte para as elencarmos, considerando que as duas primeiras se inscreviam no senhorio de seu pai e as últimas estavam na órbita da Ordem de Santiago, de que o progenitor era mestre, desviar-nos-íamos do rigor científico se ousássemos, sem um fundamento sólido, fixarmo-nos numa determinada, até porque poderíamos aventar ainda a hipótese de Lisboa. Desconhecemos também se o local do nascimento constituiu referência para a infanta, mas referência sem dúvida foi a família de que nasceu.
D. Brites foi o terceiro rebento originado do matrimónio do infante João com sua sobrinha D. Isabel, celebrado em 1424. O infante João, mestre da Ordem de Santiago e condestável do reino, era o penúltimo filho do rei de Boa Memória e da rainha D. Filipa de Lencastre. Os pais de D. Isabel eram Afonso, então conde de Barcelos e futuro l.º duque de Bragança, bastardo de João I, e D. Brites Pereira de Alvim, única filha de Nuno Álvares Pereira e de D. Leonor de Alvim. Donde, a pequenina infanta era, simultaneamente, próxima familiar das duas principais figuras donde emergiu a novel dinastia: o rei e o seu condestável que, com a força do seu braço armado, abriu o caminho que levaria ao trono o Mestre de Avis. Ambos bastardos, ambos de linhagem, um filho do rei Pedro I, o outro de Álvaro Gonçalves Pereira, mestre da Ordem de S. João de Jerusalém. Não seriam os pergaminhos que iriam faltar à infanta, cujas raízes se imbricavam duplamente na Casa de Avis e na poderosa Casa de Bragança. Mas as suas redes familiares não se quedavam na Casa Real portuguesa. Em Castela, reinaria sua irmã, D. Isabel, por consórcio com Juan II, então viúvo de D. Maria de Aragão. É certo que não logrou por muito tempo a afeição da irmã. A rainha, segundo os cronistas, caíra em depressão profunda logo após o falecimento do marido, depressão que se tornaria crónica. Correu D. Isabel, a mãe, a Arévalo a fim de acompanhar a filha na sua doença e prestar os devidos cuidados aos netos. Aí acabaria por falecer em 1465. Não voltaria, D. Brites, a abraçar sua mãe e sua irmã. Mas restava-lhe a sobrinha, também de nome Isabel, a futura rainha Católica, com quem iria manter laços de grande afectividade e até de cumplicidade». In Maria Odete Sequeira Martins, D. Brites (Beatriz). 1429-1506, Mulher de Ferro, Quidnovi, 2011, Via do Conde, ISBN 978-989-554-789-0.

Cortesia de Quidnovi/JDACT