terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Noite de 15 de Julho de 1900. Conferência Pública. Atheneu Commercial de Lisboa. Alexandre Herculano. Diogo Rosa Machado. «É por meio da propaganda verdadeiramente religiosa que se dão os golpes mais profundos na Companhia de Jesus. A religião nasce do coração e a philosophia da intelligencia»

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«(…) D'este brilhante opúsculo vou reproduzir o seguinte trecho, que é sem duvida um dos mais eloquentes que se têm escripto em todas as línguas:

  • O procedimento dos poderes públicos durante dez annos e as suas tristes hesitações na actual conjunctura legitimam, santificam a nossa resolução; porque se trata do envenenamento moral da sociedade pelo envenenamento moral da família. Uma lei d'esta terra, uma lei de sete séculos, uma lei cuja duração representa um profundo sentimento de honra, diz que se pude ser homicida sem crime quando a prostituição do adultério vai ennodoar o seio da família. É que a família é a molécula social, e gangrenada ella, a sociedade esfacela-se num monte de podridão. Vamos muito menos longe que a lei. E todavia o perigo é maior; porque nos seminários da reacção não se hostiliza só a liberdade: ensina-se também a revelar á donzella e á mãe de família delicias mais monstruosos que o adultério. Defendemos nossas mulheres, nossas irmãs, nossas filhas: defendemos as mulheres, as irmãs e as filhas dos que hão de vir depois de nós. Onde estará aqui o crime, a violência, o erro, o motivo sequer de suspeição? Não dissimulamos, não tergiversamos; a nossa linguagem é simples e explicita como as nossas intenções.

Herculano foi inimigo acérrimo da hypocrisia e do fanatismo; o seu culto era incomparavelmente mais interno do que externo; pela contemplação da natureza é que elle principalmente se elevava á idéa de Deus. Diz Theophilo Braga que Herculano mandou coustruir uma capella em Valle de Lobos. Isso não admira porque, sendo Herculano toda a vida um grande poeta, como o revelam as suas obras tanto em verso como em prosa, devia comprazer-se em ter deante dos olhos objectos que lhe recordassem os bellos e saudosos tempos da sua infância. Na casa onde Herculano nasceu e passou os seus primeiros annos havia uma ermida onde um frade arrabido costumava dizer missa os dias-santos. No Monge de Cister pinta-nos elle com as mais vivas cores a profunda saudade que lhe causava a lembrança dos dias-santos da sua infância, do altar onde no sabbado á noite se punham jarras de flores, do frade que lhe contava lindas historias ao almoço. Os verdadeiros poetas, os grandes sentimentalistas amam sempre o passado. Os homens demasiadamente positivos não podem comprehender o sentimentalismo vehemente das grandes almas. Se a cruz era para Herculano o symbolo da liberdade, da fraternidade e do progresso, não é de admirar que elle a amasse entusiasticamente, como o revelou na sua eloquente e philosophica poesia A cruz mutilada, escripta na sua mocidade. O ter mandado Herculano construir uma capella em Valle de Lobos não é pois uma prova de que o seu espirito retrocedesse com a edade. Alem d'isso o grande escriptor não deixou de ser christão em epocha alguma da sua vida. Rousseau, a quem os padres chamam ímpio, nunca zombava da religião como Voltaire. É porque o auctor do Emilio era um sentimentalista ardente como Herculano. Littré, apesar de positivista, não queria perturbar sua mulher quando ella estava deante do oratório fazendo oração. Foi a instancias de sua esposa que Herculano mandou construir a capella de que já fiz menção.
Ainda que elle não fosse catholico, haveria porventura neste procedimento alguma cousa digna de censura? O verdadeiro philosopho, o amigo da tolerância e da liberdade conserva sempre no seu coração o mais profundo respeito pelas crenças alheias. A liberdade de consciência é um dos princípios mais sacrosantos, um dos direitos mais sagrados, não só na sociedade mas ate no lar domestico, no sanctuario da família. O chefe de família não é um déspota nem a mulher uma escrava. A religiosidade é uma tendência natural da mulher, a crença é uma das condições da sua vida moral; se quizerem extinguir-lhe no coração o sentimento religioso, lançar-se-ha no caminho do jesuitismo, o que certamente será um grande mal para a família e para a sociedade. A religião é um instrumento poderoso nas mãos do jesuíta; quem conseguir arrancar-lhe esta arma prestará incontestavelmente um grande serviço ás gerações futuras. É por meio da propaganda verdadeiramente religiosa que se dão os golpes mais profundos na Companhia de Jesus. A religião nasce do coração e a philosophia da intelligencia. Se a mulher é mais dominada pelo sentimento do que pela idéa, como poderá ella comprehender systemas philosophicos que estejam em antagonismo com o seu estado psychologico, com as grandiosas aspirações do seu nobre coração? Embora todas as opiniões sinceras sejam para mim respeitáveis, eu entendo que, em vez de se aggredir o christianismo, se devem combater energicamente os erros dos seus falsificadores, que são os jesuítas e todos os padres cujas doutrinas sejam idênticas ás dos filhos de Loyola». que é sem duvida um dos mais eloquentes que se têm escripto em todas as línguas». In Diogo Rosa Machado, Alexandre Herculano, Conferência Pública realizada no Atheneu Commercial de Lisboa, na noite de 15 de Julho de 1900, Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, Lpor H539. Yma, 556544, 14.1.53.

Cortesia de L. Tavares Cardoso & Irmão/JDACT