segunda-feira, 2 de junho de 2014

Du Sabbat au Dimanche. Samuele Bacchiocchi. «As declarações de Cristo nos evangelhos não contêm a expressão ‘dia do senhor’. [...] uma locução semelhante, ‘Senhor do sábado’, uma frase usada por Cristo no fim de uma discussão com os fariseus sobre as actividades sabáticas»

jdact

«O ciclo de seis dias de trabalho e um de adoração e repouso, não obstante o legado da história dos hebreus, tem, felizmente, prevalecido através de quase todo o mundo. De facto, o culto judeu e cristão encontra a sua expressão concreta num dia, a cada semana, no qual a adoração a Deus torna-se possível e mais significativa pela interrupção das actividades seculares. Recentemente, entretanto, nossa sociedade tem sofrido muitas transformações radicais, por causa de suas realizações tecnológicas, industriais, científicas e espaciais. O homem moderno, como afirma Abraham Joshua Herschel, vive sob a tirania das coisas do espaço. A crescente disposição tempo e lazer, causados pela diminuição da jornada de trabalho, tende a alterar não apenas o ciclo de seis dias de trabalho e um de repouso, como também os valores religiosos tradicionais, e até mesmo a santificação do dia do Senhor. Por esta razão o cristão hoje é tentado a considerar o tempo como uma coisa que lhe pertence, algo que ele pode utilizar para seu próprio prazer. As obrigações de culto, se não totalmente negligenciadas, são frequentemente reduzidas e facilmente dispensadas conforme os interesses da vida. A noção bíblica do santo sábado, entendida como uma ocasião de cessar as actividades seculares a fim de experimentar as bênçãos da Criação-Redenção por meio da adoração a Deus e do trabalho desinteressado pelos necessitados está cada vez mais desaparecendo dos planos do cristão.
Consequentemente, se alguém observa a pressão que nossas instituições económicas e industriais estão exercendo para obter a utilização máxima das instalações industriais, programando turnos de trabalho que ignoram qualquer feriado, é fácil compreender que o plano a nós transmitido de uma semana de sete dias, com o seu dia de repouso e adoração, pode sofrer alterações radicais. O problema é constituído por uma geral concepção errónea do significado do santo dia de Deus. Muitos cristãos bem intencionados consideram a observância do domingo como uma hora de adoração em vez de o santo Dia do Senhor. Uma vez cumpridas suas obrigações de culto, muitos, em boa consciência, gastam o restante do domingo ganhando dinheiro ou se divertindo. Algumas pessoas, preocupadas com a profanação generalizada do dia do Senhor, estão desejando uma legislação civil que torne ilegais todas as actividades não compatíveis com o espírito do domingo. Para que esta legislação seja aceita até pelos não-cristãos, algumas vezes tem-se apelado para a necessidade de preservar os recursos naturais. Um dia de total descanso para homens e máquinas ajudaria a salvaguardar as nossas reservas de energia e o precário meio ambiente. As necessidades sociais ou ecológicas, entretanto, embora possam encorajar o descanso no domingo, dificilmente conseguirão levar a uma atitude de adoração. Não se conseguiriam melhores resultados educando nossas comunidades cristãs para que compreendessem o significado bíblico e a experiência do santo dia de Deus? Entretanto, para que isto seja possível, é indispensável, antes de tudo, articular claramente o fundamento teológico da observância do dia de repouso. Quais são as razões bíblica e histórica para a guarda do domingo? Pode este dia ser guardado como legítima substituição do sábado judaico? Pode o quarto mandamento ser corretamente invocado para proibir sua observância? Pode o domingo ser considerado como a hora de culto em vez de o santo dia de repouso do Senhor?
Para dar uma resposta a esses problemas vitais é indispensável verificar, antes de mais nada quando, onde, e por que o domingo surgiu como um dia de culto cristão. Somente após reconstruir este quadro histórico e identificar os principais factores que contribuíram para a origem do domingo, será possível prosseguir com a tarefa de reconsiderar a validade e o significado da observância do domingo.

A expressão Dia do Senhor, que primeiro aparece como uma incontestável designação cristã para o domingo próximo à parte final do segundo século, denota um dia que pertence exclusivamente ao Senhor. Já que o domingo tem sido tradicionalmente considerado por muitos cristãos como o dia do qual Cristo é Senhor e que é consagrado a Ele, podemos muito bem começar nossa pesquisa histórica da origem da observância do domingo verificando se Cristo antecipou a instituição de um novo dia de culto dedicado exclusivamente a Ele. As declarações de Cristo encontradas nos evangelhos não contêm a expressão dia do senhor. Os Sinópticos, entretanto, contêm uma locução semelhante, a saber, Senhor do sábado, uma frase usada por Cristo no fim de uma discussão com os fariseus sobre a questão de legítimas actividades sabáticas. Vários autores têm procurado estabelecer uma relação causal entre Cristo proclamar a Si mesmo Senhor do sábado e a instituição do domingo como o dia do Senhor. Mosna, por exemplo, declara enfaticamente que Cristo proclamou-Se senhor do sábado especificamente para liberar o homem das cargas cerimoniais referentes ao sábado, e que se tornaram desnecessárias. Ele vê neste pronunciamento a intenção de Cristo de instituir Seu novo dia de culto. Semelhantemente, Stott interpreta o dito de Cristo como uma implícita referência ao domingo: Ele é o Senhor do sábado e nesta expressão, citada por três dos Sinópticos, há uma referência oculta ao dia do Senhor. Ele, como Senhor, escolhe Seu próprio dia. Para verificar a validade destas conjecturas, devemos determinar a atitude básica de Cristo quanto ao sábado. Indo directo ao assunto, Cristo observou verdadeiramente o sábado ou quebrou o propositadamente? Se a última hipótese é a verdadeira então precisamos descobrir se Cristo, por suas próprias palavras e actos, planeou estabelecer os fundamentos para um novo dia de culto que eventualmente substituísse o sábado». In Samuele Bacchiocchi, From Sabbath to Sunday, A Historical Investigation of the Rise of Sunday Observance in Early Christianity, Du Sabbat au Dimanche, The Pontifical Gregorian University Press, Roma, 1977.

Cortesia de PUG/FHE/JDACT