domingo, 22 de junho de 2014

Estudos sobre a Ordem de Avis. Séculos XII-XV. Maria Cristina A. Cunha. «… da documentação existente no Arquivo Nacional de Madrid, proveniente do de Calatrava. De todo o acervo aí existente, destacam-se as cartas enviadas pelo Capítulo Geral de Cister à Ordem castelhana em 1164, 1186 e 1199»

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A Ordem de Avis na Idade Média (contexto histórico). A filiação de Avis em Calatrava
«(…) A dependência de Avis face à Ordem de Calatrava terá contudo terminado no século XV, em parte devido à acção régia. Naturalmente, após a eleição de João, Mestre de Avis, como rei de Portugal, em 1385, houve necessidade de escolher um outro: Fernão Rodrigues Sequeira foi escolhido pelos seus pares em processo hoje conhecido, mas não foi confirmado pelo seu superior castelhano. Quando em 1390 o Mestre de Calatrava Gonçalo Nunez Guzman se deslocou a Avis, o mestre recém-eleito terá recebido indicações do rei João I para o receber como qualquer outro freire e não como seu superior. De facto, alegando que Castela era cismática (e, portanto, a Ordem castelhana também) pedia-se, e obtinha-se do Papa Eugénio IV, a efectiva independência da milícia portuguesa relativamente a Calatrava.

Organização interna da Ordem de Avis
Introduzida a história inicial da Ordem e consideradas as circunstâncias em que esta deu os seus primeiros passos, cremos que importa agora saber de que maneira a milícia funcionava do ponto de vista interno. A documentação dispersa que utilizamos pouco revela a este respeito. Numa primeira leitura apenas permite identificar algumas personagens que ocuparam os diferentes cargos ou usufruíram de determinado benefício ao longo do período que nos ocupa. Dadas estas dificuldades, fomos obrigada a recorrer a fontes complementares, e à primeira vista estranhas à Ordem de Avis, utilizando-as com frequência como valiosos auxiliares para melhor compreender muitos aspectos que, considerados apenas à luz da documentação do Cartório de Avis, seriam de difícil interpretação. É o caso da documentação existente no Arquivo Nacional de Madrid, proveniente do de Calatrava. De todo o acervo aí existente, destacam-se as cartas enviadas pelo Capítulo Geral de Cister à Ordem castelhana em 1164, 1186 e 1199, bem como as Bulas desses mesmos anos e que confirmam as disposições que aquelas cartas inserem. No seu conjunto, estes documentos constituem as primeiras Formae Vivendi da milícia. Não nos repugna utilizar estas fontes que, à partida, não pertenciam ao fundo documental da Ordem portuguesa tendo em vista que Avis, filiada em Calatrava, adoptou não só a inspiração mas também a sua estrutura interna.
No entanto, no Cartório de Avis existem dois diplomas do maior interesse:: são as Definições de 1195-1213 e as de 1342, publicadas por Lomax (Algunos Estatutos ... ) e por Aurea Javierre Mur (La Orden de Calatrava ... ), respectivamente. Não constituindo por si só uma Regra, tomada no sentido vulgarmente atribuído a este termo, este tipo de diplomas permite ao investigador obter informações que ilustram aspectos concretos da vida diária dos freires: direitos e deveres do Mestre, prior e clérigos; administração económica; possíveis delitos e respectivos castigos; etc. Aquando da fundação de Calatrava, a Ordem era composta por cavaleiros que se associaram a monges cistercienses e que com eles formavam uma comunidade. Esta situação dura até à data da morte de um dos seus fundadores, o abade Raimundo de Serrat (ocorrida em 1163 ou 1164), altura em que os problemas internos levaram o grupo de monges que viviam com os cavaleiros a abandonar o Convento. Consciente de que, por este facto, Calatrava se convertera numa freiria de cavaleiros que facilmente se desagregaria, Garcia (que tinha ficado entre os cavaleiros e fora eleito seu Mestre) resolve admitir padres seculares na qualidade de capelães e ligar a milícia, através de uma Regra, a uma Ordem religiosa. Assim, em 1164 é pedida ao Capítulo Geral de Cister a incorporação da milícia no seio desta Ordem ou, pelo menos, a sua protecção. Os Cistercienses acedem ao pedido, aceitando os cavaleiros non ut familiares, sed ut vere frafres. No entanto, estes não consideraram o seu problema resolvido, uma vez que Cister se limitou a dar-lhes uma Forma Vivendi, deixando à responsabilidade da abadia de Scala Dei o cuidado de elaborar uma Regra pela qual se haviam de reger. Segundo Cocheril esta atitude tem um significado muito claro: Calatrava não entrava ainda na hierarquia de Cister, isto é, no esquema abadia-mãe/abadia-filha, sendo portanto considerada como uma casa à parte dessa estrutura». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

Cortesia da FL do Porto/JDACT