domingo, 22 de junho de 2014

Lisboa. Urbanismo e Arquitectura. José Augusto França. «O primeiro rei português, após uma tentativa infrutífera em 1140, tomou a cidade em 25 de Outubro de 1147, em quatro meses de assédio, com ajuda de cruzados flamengos, coloneses e ingleses que demandavam a Terra Santa…»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Cidade Medieval
«(…) Cidade rica, integrada na província da Lusitânia, Olisipo beneficiava do Tejo, ancoradouro comercial importante. As águas do rio enchiam ainda parte do vale largo da Baixa, e tinham braços por Valverde e pelo vale da Mouraria, até Arroios, separados pela colina de Sant’Ana, recolhendo águas das encostas, em cursos que o tempo diminuiria, por razões naturais ou provocadas. A vida da cidade foi abalada pelas primeiras invasões bárbaras na Península, e tomada pelos Alanos cerca de 410. Outros povos sucederam a este, e os Visigodos chegaram a Olisipo nove anos depois, mas mantiveram ao longo dos séculos V e VI lutas de variado sucesso com os Suevos até ao resultado final favorável, em 585, ano anterior à conversão do rei Recaredo ao cristianismo, facto que teve natural reflexo na arquitectura da cidade, podendo supor-se que então os restos do templo ou basílica romana tiveram adaptação funcional ao novo culto.
Mas, nestes quase dois séculos de guerras e depredações, que um terramoto, em 472, terá acentuado, muito da urbe romana desapareceu, com a sua civilização imperial. E os restos dela foram empregues como material agora detectado em fortificações que rodearam as áreas habitadas, protegendo-as das surpresas dos inimigos. Assim, muito provavelmente, nasceu a cerca velha, ou cerca moura, designação que proveio do domínio seguinte. Com efeito, em 719, os Mouros invasores da Península tomaram Olisipone vindo a deturpar-lhe o nome em Achbuna, ou Lixbuna, no falar local, veículo de vários estratos rácicos que ao longo dos séculos, e com predomínio último de romanos e de visigodos, se sedimentaram no sítio urbano. A tolerância de uns e de outros, quando em tempo de paz e labor, também se verificou no novo domínio, o qual, por seu lado, sofreu também lutas internas que arrastaram prejuízos de bens e arquitectura.
Esta processou-se em relação à mesquita que fora templo cristão e já romano, como se supõe, e deu certamente palácios conformes à riqueza do sítio marítimo e agrícola. Dentro da cerca e fora dela, em vasta extensão, uma população já computada (decerto exageradamente) em 150 mil pessoas dedicava-se ao comércio e à agricultura, em hortas ou almoinhas limítrofes, com casas que se multiplicavam em ruelas estreitas e becos, ou se dispersavam pelos férteis vales vizinhos. No interior da alcáçova, o palácio do alcaide e uma mesquita sobrepujavam a cidade cuja descrição exterior, pelo cruzado Osberno, a seguir a 1147, nos diz que na crista do monte redondo erguia-se a fortaleza de onde, pela direita e pela esquerda, desciam dois braços de muralha, gradualmente, pelo declive do morro até à orla do Tejo, e ao longo desta orla outro muro as reunia. Com efeito, depois de outras ocupações cristãs, já talvez no fim do século VIII, em meados do X e em fins do XI, o primeiro rei português, após uma tentativa infrutífera em 1140, tomou a cidade em 25 de Outubro de 1147, em quatro meses de assédio, com ajuda de cruzados flamengos, coloneses e ingleses que demandavam a Terra Santa e se detiveram no caminho para esta empresa de reconquista. Medidas seguintes à tomada, com purificação da mesquita assim restituída ao culto cristão que já tivera (e era garantido, provavelmente, por um bispo mencionado na crónica do cerco e por paróquias que tinham subsistido e subsistiriam) e fundação de duas igrejas paroquiais, S. Vicente e dos Santos Mártires, nos sítios dos cemitérios de cruzados flamengos e ingleses, completaram-se com o início da reconstrução da Sé, na traça românica que perdura.
Com estes actos, e com o foral concedido em Maio de 1179, Afonso Henriques marcou a sua autoridade numa cidade preciosa para a expansão do seu reino, futura capital dele (1256), quando totalmente definido no tempo de Afonso III. Por enquanto, a Lixbuna conquistada delimitava-se pelas muralhas antigas, entre o castelo e o rio, numa área de 15 hectares e meio, com as suas sete freguesias. Outras, extramuros, iriam em breve cobrir os dois arrabaldes, a nascente (Alfama) e a poente (Baixa), num total de quatro mais cinco». In José Augusto França, Lisboa. Urbanismo e Arquitectura, Director da Publicação Álvaro Salema, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, série Artes Visuais, Instituto Camões, 1980.

Cortesia de ICamões/JDACT