domingo, 1 de junho de 2014

Guerra. Diplomacia e mapas. A guerra da Sucessão Espanhola. Júnia F. Furtado. «… nas negociações de Utrecht, os portugueses tenham feito valer seus interesses territoriais frente aos franceses, a verdade é que a guerra acabou sendo vencida graças mais ao domínio que os representantes portugueses tinham no campo da diplomacia…»

Cortesia de wikipedia

Guerra e diplomacia
«(…) A correspondência dos plenipotenciários franceses ao seu rei dá conta de que estes avaliaram que o estratagema dos ingleses de terem se preparado previamente reunindo documentos e principalmente mapas havia sido muito bem sucedido. Conforme confessariam mais tarde, consideraram que o mapa, apesar de produzido pelos adversários, os conduzira com segurança durante a negociação. Por isso decidiram organizar a mesma estratégia para enfrentar os portugueses. Entre Dezembro de 1712 e Fevereiro de 1713, quando os representantes dessas duas Coroas finalmente se sentaram pela primeira vez à mesa de negociação, os franceses dispunham de mapas e documentos para sustentar suas posições, o que permitiu que insistissem no primado da cartografia para configurar o território situado entre o Amazonas e o Oiapoque. Como relataram a Luís XIV, nós sobrepomos as cartas, nós medimos o terreno. Foi então a vez dos portugueses se espantarem com esse estratagema, copiado dos ingleses. Luís Cunha confessou a seus interlocutores no reino que, quanto às instruções dos franceses, eles ficaram admirados [com] a miudeza delas e os documentos e mapas com que vinham autorizadas. Entre estes havia uma carta que mostrava claramente que o rio Pinzón se encontrava posicionado nas possessões francesas.
Se, desde o primeiro momento, Luis se impressionou com a meticulosidade das instruções que os embaixadores franceses haviam recebido, também não deixou de se queixar de como eram bem diferentes as que ele e o conde de Tarouca possuíam enquanto representantes de Portugal. Não sem razão, reclamou com o cardeal Cunha que nós nos achamos sem uma boa carta daquele estado. As ordens que vieram do reino, trazidas pelo conde, eram genéricas e ambíguas e, quando se sentaram para negociar, Luís se lamentou que o último chegara sem uma boa carta do estado [do Maranhão], nem tampouco da parte do rio da Prata, com a explicação das terras que s.m. ali pretende pelo tratado de aliança, como também as cópias do que se passou sobre a Colônia do Sacramento. Desolado, admitiu que que não tínhamos algum documento ou mapa por onde possamos mostrar que a nossa posse daquela banda vai sempre seguindo o curso do rio Amazonas e completou: Sempre imaginei que o conde de Tarouca vinha provido de todos estes documentos, pois as promessas dos tratados têm mais força quando são assistidas da mesma justiça. Por justiça, Luís se referia a qualquer documento, mapas, tratados, relações, que justificassem a posse histórica de um território e a injusta ocupação do mesmo pela potência inimiga, como os que apresentaram os franceses em que o rio Pinzón se encontrava sob sua soberania. Em Utrecht, mapas começaram a ser utilizados, de forma cada vez mais sistemática, para justificar e definir as fronteiras negociadas entre nações rivais. Luís ainda inquiriu José Cunha Brochado, que já cuidara de negociações com a França em 1710, se ele tinha em seu poder algum documento ou mapa que lhes pudesse guiar, mas se viu frustrado nessa tentativa, pois o antigo embaixador também não havia sido municiado com tais documentos.
Ainda que, ao final, nas negociações de Utrecht, os portugueses tenham feito valer seus interesses territoriais frente aos franceses, a verdade é que a guerra acabou sendo vencida graças mais ao domínio que os representantes portugueses tinham no campo da diplomacia e dos antigos tratados, do que no da geografia ou da cartografia. Essa primeira batalha com os representantes da França foi lição que Luís Cunha levou por toda a vida. A partir de então, passou a advogar incessantemente o uso de mapas como indispensáveis para guiar as negociações diplomáticas que se seguiam às guerras e aos conflitos, insistindo na importância dos mesmos como instrumentos diplomáticos e reiterando sempre a necessidade de Portugal produzir uma cartografia precisa da América para municiar e justificar seus pleitos. Em suas diversas embaixadas que se seguiram a Utrecht, até sua morte em 1749, o embaixador pediu insistentemente que lhe fossem enviados mapas mais precisos que permitissem orientar as negociações em curso. Sua queixa da falta de mapas confiáveis que pudessem enganar a diplomacia fez com que não só defendesse a intensificação da produção cartográfica portuguesa, notadamente das regiões vitais ou fronteiriças na América, Centro-oeste, Minas Gerais, rio da Prata e bacia Amazónica, mas também se tornou um coleccionador de mapas e informações que pudessem ajudar na construção de uma cartografia portuguesa cada vez mais precisa. Nas suas missivas às autoridades no reino insistia na necessidade de se construir uma base cartográfica sólida acerca dos territórios ocupados pelos portugueses na América e foi, em grande parte sob sua influência, que desde o segundo quartel do século XVIII, Portugal deu início a uma verdadeira febre cartográfica do Brasil, especialmente do interior do sueste, das Minas Gerais, e das regiões da foz do rio da Prata e da bacia amazónica, para municiar seus representantes diplomáticos com informações precisas sobre as regiões em disputa». In Júnia Ferreira Furtado, Guerra, Diplomacia e mapas, A guerra da Sucessão Espanhola, O Tratado de Utrecht e a América Portuguesa na cartografia de D’Anville, revista Topoi, v,. 12, nº 23, 2011.

Cortesia de Topoi/JDACT