domingo, 22 de junho de 2014

Estudos sobre a Ordem de Avis. Séculos XII-XV. Maria Cristina A. Cunha. «… que houve de facto uma relação de dependência de Avis relativamente à Ordem de Calatrava, e que esta terá exercido alguma jurisdição sobre a Ordem portuguesa, cujos contornos ainda hoje não são conhecidos»

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A Ordem de Avis na Idade Média (contexto histórico). A filiação de Avis em Calatrava
«(…) O Cardeal Saraiva defende a agregação de cavaleiros portugueses à Ordem de Calatrava, pouco depois da conquista de Évora (1166), tal como já tinha acontecido com as outras duas ordens militares internacionais (Templários e Hospitalários). Já Alexandre Herculano, na sua História de Portugal, defende essa mesma filiação, em cronologia semelhante à apontada, mas em sentido oposto, isto é, terão sido alguns cavaleiros castelhanos quem, em território português, terão constituído uma ramificação de Calatrava, sendo os seus freires indistintamente conhecidos como freires de Évora ou freires de Cister. Esta opinião, aceite por Silva Tarouca e por Pinto de Azevedo (este numa primeira fase) vai, no entanto, ser ultrapassada por uma outra, deste último autor, que defende, como dissemos a propósito da origem da Ordem, a intervenção de Afonso Henriques na fundação da nova milícia, nomeadamente escolhendo o seu primeiro mestre, Gonçalo Viegas de Lanhoso e dotando-a de alguns bens necessários à sua sobrevivência.
Terá sido Miguel Oliveira quem abriu o caminho para a resolução do problema da filiação da Ordem de Avis em Calatrava. Tendo analisado separadamente a documentação portuguesa e a pontifícia, concluiu que os monarcas portugueses nunca se referem à Ordem de Avis como dependendo ou estando associada à castelhana, enquanto que os documentos emanados da Santa Sé, com uma única excepção (Bula de 1201), integram a freiria de Évora na Ordem de Calatrava. Por outras palavras, este autor considera a existência de duas vertentes nos primórdios da Ordem de Avis: por um lado, a milícia era portuguesa desde a fundação e assim estava organizada, possuindo bens próprios para se sustentar, para intervir na defesa e contribuir para a expansão territorial do país; por outro, a Ordem precisava de ter uma regra religiosa aprovada pela Santa Sé. E como Roma levantava dificuldades à criação de novos estatutos, a adopção da regra beneditina de Calatrava, apropriada a monges guerreiros, para além de não levantar quaisquer problemas à legalização da nova milícia, permitia que esta obtivesse desde logo todas as graças e privilégios concedidos não só a Calatrava, mas também à Ordem de Cister, em cuja hierarquia esta se incluía. Aliás, esta era uma das vantagens práticas imediatas em que se traduzia essa filiação, e de que os freires de Avis várias vezes se aproveitaram. Além disso, era permitido ao mestre português estar presente no capítulo calatravenho, nomeadamente aquando da eleição do mestre. O recurso ao superior castelhano era também possível, sempre que a situação interna de Avis o exigisse. Tal aconteceu pelo menos em 1346, altura em que alguns dos principais detentores de dignidades da Ordem se deslocaram ao convento castelhano, pedindo ao mestre de Calatrava para intervir em dissensões que corriam entre os freires portugueses.
Por seu turno, e devido à filiação, os Mestres de Calatrava, ou algum freire expressamente escolhido em capítulo, deveriam visitar regularmente os cavaleiros portugueses, acompanhados por um monge cisterciense, com o intuito de confirmar o seu Mestre (quer no caso da eleição já ter decorrido, quer estando presentes no próprio capítulo em que tal acto tinha lugar), verificar a sua forma de vida, a sua espiritualidade e a gestão do seu património. E embora Miguel de Oliveira considere que o Mestre de Calatrava apenas tinha uma supremacia honorífica, o certo é que o direito de visita lhe permitiu exercer alguns actos de jurisdição e autoridade. Assim, e por exemplo, em 1346, dois representantes do Mestre de Calatrava (um comendador e um abade cisterciense) visitam a ordem portuguesa com o objectivo de resolverem alguns conflitos entre o Mestre João Rodrigues Pimentel e o Comendador de Cabeço de Vide, Fernão Rodrigues.
É provável que, ao longo da Idade Média, vários os Mestres castelhanos tenham visitado o convento de Avis. Contudo, chegaram até nós apenas dois relatos dessas visitas, para além da de 1346. A primeira foi efectuada por Martim Rodriguez e pelo abade cisterciense de Sotos Albos, em 1238, e nela se confirmou o Mestre de Avis recentemente eleito, Martim Fernandes, e se renovaram (ou relembraram?) os direitos do superior castelhano: receber a promísíon así como lo fícíeron antes los Maestres de Avís e de Alcantara ao Mestre de Calatrava, dar o selo da Ordem ao novo Mestre que nunca devia ser eleito en la casa de Avís a menos que el Maestre de Calatrava non sea present, o outro por el, e visitar anualmente a casa portuguesa. O segundo relato da visita de um mestre castelhano ao convento de Avis data de 1342. Nesta altura teve lugar a eleição do Mestre João Rodrigues Pimentel, que conforme os Estatutos, foi de imediato provido da dignidade mestral pelo visitador castelhano. Há, no entanto, mais algumas referências documentais que atestam a presença de mestres ou freires castelhanos em Portugal. E se não temos dúvidas de que estiveram em Avis, como aconteceu em 1241, noutros casos não é possível afirmar com segurança que se realizou alguma visita. Assim, sabemos que em 1221 se encontrava em Arouca, Laurencíus García, frater de Calatrava, situação que se repete em 1223 (desta feita juntamente com o mestre de Évora e com Gonçalo Eanes Nóvoa, Mestre de Calatrava) e em 1224 (acompanhado de outros freires castelhanos). Queremos com isto dizer que houve de facto uma relação de dependência de Avis relativamente à Ordem de Calatrava, e que esta terá exercido alguma jurisdição sobre a Ordem portuguesa, cujos contornos ainda hoje não são conhecidos». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

Cortesia da FL do Porto/JDACT