sexta-feira, 20 de junho de 2014

Política, História e Cidadania. Jaime Cortesão. Elisa Neves Travessa «A nova geração que então surgia tinha como objectivo revelar, definir e enaltecer a consciência nacional e filiava-se nas correntes de pensamento do século XIX. A ideia de dar à Pátria a unidade dum pensamento colectivo»

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Renascença Portuguesa e a Guerra. O projecto cultural da Renascença Portuguesa. O contributo de Jaime Cortesão. Profeta dessa ideia
«(…) Já referimos que a Renascença, sonhada pelo Poeta d’A Morte da Águia, não representa uma ruptura com as suas convicções, antes revela uma persistência no combate cívico, sempre enquadrado por uma clara consciência histórica. Relembremos as iniciativas que congregaram muitos dos iniciadores da Renascença em projectos similares, como sejam: a revista Nova Silva (1907) e o grupo de acção pedagógica dos Amigos do ABC. Marcados pelo idealismo e pelos ideais anarquistas, libertários e altruístas com influências doutrinárias de Kropotkine, Tolstoi, Ferrer i Guardia, Victor Hugo, entre outros, e do socialismo proudhoniano, propagandeado por Antero de Quental, numa vertente que acentuava a justiça, o pacifismo, a solidariedade e a fraternidade. Filiavam-se também no republicanismo, embora se distanciassem da vertente marcadamente positivista presente, fundamentalmente, em Teófilo Braga. Um escol de intelectuais ecléctico que certamente recebeu a influência de outros pensadores do século XIX, como do poeta Guerra Junqueiro, Sampaio Bruno, ensaísta e doutrinador idealista portuense, e Basílio Teles.
Lembremos, por exemplo, que a efémera Liga Patriótica do Norte (Fevereiro de 1890), curiosamente também criada no Porto, presidida pela alma idealista de Antero, apresenta objectivos com algumas semelhanças, a nível dos propósitos do projecto reformador, com os da Renascença Portuguesa. Criada apos a humilhação patriótica produzida pelo Ultimato britânico (1890), a referida Liga tinha como princípio agir fora da acção dos partidos e ser um órgão da opinião pública, pugnando por reformas económicas, sociais e administrativas, pela moralização dos poderes, actuando como uma força moral. Uma reforma que deveria, para ser concreta e fecunda, partir do interior, do mais fundo da alma colectiva, ou seja, que empreendesse uma reforma moral e ética das consciências e das almas. Era a consciência dos momentos críticos vivenciados que exigia atitudes veementes que revigorassem o patriotismo humilhado. Lembramos e registamos o paralelismo com os objectivos que delinearam a formação da Renascença e a atitude desta em momentos cruciais de exaltação patriótica. Referimo-nos especificamente à propaganda pela intervenção de Portugal na Grande Guerra, em que o movimento assumiu papel proeminente. De salientar que a Renascença Portuguesa constitui-se como um movimento intelectual a que não é alheia uma feição nacionalista e patriótica mais predominante no saudosismo de Pascoaes. Animava-os o sentido de uma revivescência da alma lusitana que pudesse responder, como Cortesão mais tarde explicava, à necessidade, sentida por todos, de dar um conteúdo renovador e fecundo à revolução republicana.
A nova geração que então surgia tinha como objectivo revelar, definir e enaltecer a consciência nacional e filiava-se nas correntes de pensamento do século XIX. A ideia de dar à Pátria a unidade dum pensamento colectivo, e rejuvenescê-la com o ar da vida europeia, teve origem no movimento do romantismo liberal, na história e pela arte, de que Herculano e Garrett eram os mais dignos representantes. Desde aí até à contemporaneidade de Cortesão foi percorrido um longo caminho que passou pela apresentação de novas soluções políticas contra a ameaça do constitucionalismo monárquico. Foi encetado um movimento de regeneração que embora hesitante não deixou de produzir bons frutos. Cortesão lembra Junqueiro, voz profética e arrebatada pela esperança depositada na Pátria; Ramalho, que nas Farpas despertara a necessidade de valorizar o património artístico; Teófilo Braga, que, não obstante o seu cego positivismo, enalteceu na literatura, na historia e nas tradições populares a alma nacional; João de Deus e António Nobre, que deram voz ao lirismo lusitano; e Oliveira Martins, que, embora levado por um doentio e negro pessimismo, teve o mérito de revelar a degradação a que chegara a nacionalidade portuguesa. Toda esta herança é reclamada por Cortesão quando formaliza o projecto da Renascença: havia que dar continuidade a esse movimento e retemperar as forças, abandonando a descrença e o pessimismo, optando por um caminho progressivamente reformista». In Elisa Neves Travessa, Jaime Cortesão, ASA Editores, Setembro de 2004, ISBN 972-41-4002-4, obra adquirida e autografada em Fevereiro de 2006.

Cortesia de Edições ASA/JDACT