quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

A personagem D. Pedro. Na narrativa portuguesa do dealbar do século XXI. Pedro J. Rodrigues. «Segundo LMS, “uma cláusula” aí colocada pelo pai da noiva, condicionando o casamento à inexistência de ‘amantes’ na vida do infante, mostrará anteriores “desmandos femeeiros” de Pedro. … a verdade é que nos parece legítima a inferência apresentada»

Cortesia de wikipedia

Inês de Portugal, de João Aguiar. A Trança de Inês, de Rosa Lobato Faria. A Rainha Morta e o Rei Saudade, de António Cândido Franco
O rei Pedro I: o homem e o mito
«De todos os reis das duas primeiras dinastias portuguesas, Pedro I é aquele cujo reinado se revela mais breve, se exceptuarmos o caso especial do seu neto Duarte I. No entanto, e por contraste, é talvez o monarca cuja actuação foi alvo de maior polémica e deu origem a maior número de obras de cariz histórico ou literário, ao longo dos séculos e até ao tempo presente. Em parte, tal facto fica a dever-se a acontecimentos anteriores à sua subida ao trono, como a morte de Inês de Castro ou a consequente guerra civil que liderou contra seu pai, ao longo de sete meses. Mas a eliminação física da sua grande paixão teve repercussões que se prolongaram para além das pazes assinadas em Canaveses, assumindo Pedro I, já enquanto rei, acções que em muito contribuíram para a imagem que, ao longo do tempo, os diversos autores foram criando e difundindo. A variedade de textos actualmente disponíveis que se debruçam sobre esta época histórica permite-nos uma análise pormenorizada, sob diversos pontos de vista, da figura do rei Pedro I. Devemos, no entanto, considerar que nem todos os escritos que utilizámos como fonte se inscrevem num mesmo género, tal como não assumem, na sua globalidade, uma intenção semelhante. Seria, neste sentido, pouco adequado assimilar todas as contribuições numa caracterização única, razão pela qual optámos por abordar separadamente os textos de intenção basicamente historiográfica e as criações de cariz ficcional mais ou menos assumido. Por outro lado, sentimos ser necessário particularizar a análise dos documentos oficiais do reinado de Pedro I, exactamente por constituírem os únicos elementos coevos através dos quais podemos deduzir, ainda que de modo indirecto, alguns traços da personalidade deste monarca tão controverso.

A figura do rei através dos documentos oficiais do seu reinado
Em termos cronológicos, o primeiro documento coevo que nos pode transmitir informações sobre o Infante Pedro é exactamente o contrato de casamento com dona Constança. Segundo Leonor Machado Sousa, uma cláusula aí colocada pelo pai da noiva, condicionando o casamento à inexistência de amantes na vida do infante, mostrará anteriores desmandos femeeiros de Pedro. Fosse ou não habitual a presença de anotações com este conteúdo nos contratos nupciais, a verdade é que nos parece legítima a inferência apresentada, mesmo que não creiamos, como certos autores com maior liberdade literária, num eventual casamento secreto do príncipe, anterior a esta época. Na realidade, independentemente da veracidade da declaração de Cantanhede, sobre o casamento com dona Inês de Castro, não podemos ignorar o valor documental dos monumentos funerários mandados construir por Pedro, como não devemos esquecer outras atitudes do rei que revelam a grande vontade de assumir Inês como sua rainha (a exumação e a trasladação do corpo, a coroação da estátua jacente, a própria colocação dos túmulos), deixando entrever a paixão que terá existido entre ambos, tenha ela tido o seu início antes ou após o casamento com dona Constança. A evidente vontade do rei quanto à legitimação dos seus filhos com dona Inês não nos parece, ainda assim, a razão única para as atitudes e iniciativas régias atrás enumeradas.
Tanto mais que, para tal fim, conhecemos as diversas tentativas de Pedro I, quer junto do papa, quer através de acções concretas, como grandes doações aos infantes, com a confirmação do futuro rei Fernando I, ou ainda as suas presenças nas Cortes de Elvas, em 1361, juntamente com o legítimo herdeiro do trono. A realização das Cortes em Elvas funciona, aliás, como um marco extremamente importante da capacidade de governar de Pedro I, mesmo tendo em conta que já haviam decorrido quatro anos completos de reinado, acrescidos de outros dois de co-governo, pois o infante assumiu, após o final da guerra civil subsequente à morte dona de Inês de Castro, a plena jurisdição cível e crime em todo o País. Não admira que o ano de 1361 seja entendido como a inauguração de um novo ciclo da acção de Pedro I. Embora realce a vontade de tratar com igualdade todas as pretensões que lhe sejam apresentadas, esta é a oportunidade utilizada pelo monarca para mostrar a protecção ao povo, atitude que vai marcar a sua actuação ao longo dos tempos; simultaneamente, aproveita para uma remodelação quase total do elenco dos desembargadores e dá indicações seguras quanto às suas intenções relativamente ao clero: segundo Montalvão Machado, em Elvas diminuíram-se os privilégios do Clero, para além de que se confirmou o beneplácito régio, já outorgado por Afonso IV. Sem dúvida que, com esta última medida, Pedro I pretendia evitar a proliferação de documentos papais falsos, situação bastante comum já no reinado anterior, mas também é óbvio que aproveita a ocasião para salientar a supremacia do Estado sobre o poder espiritual, ideia que reiterará ao longo do tempo. Em todo o caso, o rei assumiu uma posição de firmeza para com esta classe, raramente permitindo situações de excepção: Pedro I quis, desde logo, sublinhar o triunfo do poder real sobre o religioso». In Pedro Jorge Rodrigues, A personagem D. Pedro, Na narrativa portuguesa do dealbar do século XXI, Tese de Mestrado em Estudos Portugueses Interdisciplinares, Universidade Aberta, Coimbra, 2006,

Cortesia de UAberta, Coimbra/JDACT