terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Teodósio. 5º duque de Bragança. João Paulo O. Costa. «… a grande biblioteca, que infelizmente se dispersou, fazia parte de um projecto do duque Teodósio para a criação de uma universidade em Vila Viçosa, que não foi avante…»

wikipedia e jdact

20 de Setembro de 1563. O primo alentejano
«Neste dia faleceu Teodósio, 5.º duque de Bragança. Figura silenciada pela cronística e esquecida pela historiografia, governou o ducado de Bragança durante trinta anos, desde a morte do seu pai, Jaime, a 22 de Dezembro de 1532, até ao seu próprio falecimento. Era primo d'el-rei Sebastião I, pois ambos descendiam do infante Fernando, filho d'el-rei Duarte I. Fora sobrinho-neto de Manuel I e primo como sobrinho de João III. A ligação entre a Casa de Bragança e a Coroa estreitou-se passado mês e meio, quando João, o novo duque, se casou com dona Catarina, filha do infante Duarte e neta d'el-rei Manuel I. O duque Teodósio viveu a maior parte da sua vida na sede dos seus domínios em Vila Viçosa. Frequentou muito a corte, na década de 30, quando João III permaneceu prolongadamente em Évora, após o terramoto de 1531, mas raramente acompanhou o monarca fora do Alentejo, e é difícil encontrá-lo em Lisboa, a não ser nas grandes cerimónias da monarquia. Tal como os reis portugueses do seu tempo, o duque não foi à guerra, o que ajudou, decerto, a que ficasse na penumbra da História, ofuscado pelos feitos do seu pai, o conquistador de Azamor, em 1513, e pelos do seu meio-irmão, Constantino, vice-rei da Índia (1558-1561), conquistador de Damão e iniciador da conquista de Ceilão.
No entanto, o duque Teodósio deixou-nos um legado extraordinário, que permanece de pé, mais de quinhentos anos depois da sua morre, o paço ducal de Vila Viçosa. o edifício começou a ser construído pelo seu pai, que realizou as duas primeiras campanhas, que correspondem, grosso modo, ao claustro, capela e cozinha, mais o bloco em que se incluem no piso superior os apartamentos do rei Carlos I. Ao duque Teodósio coube a edificação de um segundo corpo, contíguo ao primeiro, que se desenvolveu na perpendicular para formar a fachada comprida que domina o Terreiro do Paço de Vila Viçosa. Esta edificação longilínea foi construída em duas campanhas, de que a primeira estava concluída em 1537, quando se celebrou aí o casamento do infante Duarte, irmão de João III, com dona Isabel, irmã do duque. O paço atingiu a sua dimensão actual ainda em vida de Teodósio; os duques que se seguiram, particularmente o neto, e depois os reis da dinastia de Bragança, continuaram a intervir no edifício, mas a volumetria criada pelo quinto duque perdurou até aos nossos dias. Trata-se do maior palácio renascentista que existe em Portugal, um dos raros exemplos de arquitectura civil dessa época que chegou aos nossos dias. Esta obra justificava, só por si, uma menção ao duque Teodósio nesta obra, mas estudos recentes deram-nos a conhecer um homem fascinante, culto e conhecedor do mundo. Quando morreu, o duque Teodósio deixou três filhos e uma viúva menores de 20 anos, e para que as partilhas entre os seus herdeiros fossem bem executadas foi feito um inventário de todos os bens existentes à morte do duque. o documento original perdeu-se, mas perduram duas cópias, e os seus conteúdos têm sido estudados sistematicamente por uma equipa interdisciplinar, liderada pela historiadora Jessica Halett do Centro de História de Além-Mar.
O duque Teodósio casou-se pela primeira vez em 1542 com dona Isabel, sua prima coirmã, filha do conde Dinis de Portugal-Castro e, como ele, neta de Fernando, o terceiro duque, o que fora decapitado em Évora, em 1483. Deste casamento nasceu João, que foi o 6.º duque de Bragança, e que tinha 19 anos quando o pai faleceu. A duquesa morreu em 1558, e no ano seguinte Teodósio voltou a casar. A sua segunda esposa foi dona Beatriz Lencastre, sobrinha do duque de Aveiro, que tinha apenas 16 anos e que lhe deu dois filhos, Jaime e Isabel. O inventário destinava-se a identificar todos os bens existentes no paço e incluem uma estimativa do seu valor e, muitas vezes, o preço de aquisição, o intermediário que permitiu a compra e o local de origem da peça. Através do inventário, sabemos que o duque Teodósio tinha em Vila Viçosa objectos oriundos dos quatro continentes conhecidos, nomeadamente do Brasil e das Caraíbas, da China, da Índia e do Ceilão, mais da Pérsia e da Turquia, e ainda da Guiné e de Marrocos, além do muito que vinha das mais variadas partes da Europa. Hoje podemos dizer que Teodósio, tendo vivido quase toda a sua vida no sossego do interior alentejano, pôde ver o mundo a partir daí, pelo que podia manusear, pelo que podia ler e ouvir sobre essas desvairadas partes de um mundo que ganhava agora uma forma planetária. O inventário testemunha-nos uma corte ducal sofisticada e luxuosa, onde abundam as jóias, as tapeçarias, as pinturas, as esculturas, o mobiliário e as roupas de tecidos finos; e embora o duque não tenha ido à guerra, estava apetrechado para servir a Coroa se fosse necessário, pois tinha armas para equipar uma pequena hoste rapidamente.
Além disso, Teodósio tinha uma enorme biblioteca, com mais de 1600 títulos e, por certo, mais de 2000 volumes. Tanto quanto se sabe, seria a maior biblioteca portuguesa do seu tempo e uma das maiores da Europa e estava actualizada. Dispondo de agentes em vários pontos da Europa, o duque adquiria todas as novidades que lhe interessavam, tanto no campo da teologia como no da ciência, além do gosto pela música, que perduraria em seu bisneto, o 8.º duque de Bragança, que depois foi João IV de Portugal. A biblioteca era um projecto que esteve em desenvolvimento até à morte do duque, pois cerca de 10 % das aquisições foram feitas no período do seu segundo casamento, ou seja, entre 1559 e 1563. Esta grande biblioteca, que infelizmente se dispersou, fazia parte de um projecto do duque Teodósio para a criação de uma universidade em Vila Viçosa, que não foi avante, mas que ilustra bem a envergadura do 5.º duque de Bragança. A 20 de Setembro de 1563 faleceu um ilustrado renascentista, uma das figuras mais cultas da nobreza portuguesa quinhentista, um homem que através da sua corte ducal pôde compreender o mundo». In João Paulo Oliveira Costa, Episódios da Monarquia Portuguesa, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2013, ISBN 978-989-644-248-4.

Cortesia de CL/TDebates/JDACT