domingo, 28 de janeiro de 2018

A Filha do Conspirador. Philippa Gregory. «Ela arruma a coberta como uma capa ao redor dos ombros, joga a cabeça para trás, empertiga-se no seu metro e cinquenta e caminha pelo pequeno aposento de cabeça erguida»

jdact e wikipedia

Torre de Londres. Maio de 1465
«(…) Quando Isabel finalmente entra no quarto, estou ajoelhada junto à janela estreita contemplando o reflexo do luar no rio, pensando nos sonhos do rei. Você deveria estar dormindo, diz ela de forma autoritária. Ela não pode vir atrás de nós, pode?, pergunto. A rainha má? Isabel reconhece imediatamente o horror contra Margarida Anjou, que assombrou a nossa infância. Não. O pai derrotou-a de uma vez por todas em Towton. Ela fugiu. Não pode voltar. Tem a certeza? Isabel põe o seu braço em volta dos meus ombros franzinos. Você sabe que eu tenho a certeza. Você sabe que está a salvo. O rei louco dorme, e a rainha má foi derrotada. Isso é apenas uma desculpa para você ficar acordada enquanto deveria estar dormindo. Obediente, eu viro-me e sento-me na cama, puxando os lençóis até ao queixo. Vou dormir. Não foi maravilhoso?, pergunto a ela. Não muito. Não acha que ela é linda? Quem?, pergunta Isabel, como se realmente não soubesse, como se não fosse óbvio quem era a mulher mais bonita da Inglaterra nessa noite. A nova rainha, Elizabeth. Bem, não acho que ela tenha jeito de rainha, responde a minha irmã, tentando soar como nossa mãe, cheia de desdém. Não sei como irá comportar-se durante a coroação e no torneio de justas; afinal, ela era apenas a esposa de um escudeiro e a filha de um ninguém. Como ela poderia saber comportar-se? Por quê? Como se comportaria?, pergunto, tentando prolongar a conversa.
Isabel sempre sabe muito mais do que eu; ela é cinco anos mais velha, quase uma mulher, é a favorita dos nossos pais, e certamente tem um casamento brilhante pela frente. Enquanto eu sou apenas uma criança. Ela menospreza até a rainha! Eu me portaria com muito mais dignidade. Não ficaria cochichando com o rei nem me humilharia, como ela fez. Não enviaria pratos para outras mesas nem acenaria para as pessoas, como ela fez. Não levaria todos os meus irmãos e irmãs para a corte, como ela fez. Seria muito mais reservada e fria. Não sorriria para ninguém, não me curvaria diante de ninguém. Seria uma verdadeira rainha, uma rainha de gelo, sem família ou amigos. Sinto-me tão atraída por essa imagem que já estou quase fora da cama novamente. Tiro a manta de pele de nosso leito e estendo-a para ela. Como assim? Como seria? Mostre-me, Izzy! Ela arruma a coberta como uma capa ao redor dos ombros, joga a cabeça para trás, empertiga-se no seu metro e cinquenta e caminha pelo pequeno aposento de cabeça erguida, acenando com um gesto distante para cortesãos imaginários. Assim, diz ela. Comme ça, elegante e nada amistoso. Dou um pulo para fora da cama, pego um xale, jogo-o por cima dos ombros e a imito, copiando o seu aceno, parecendo uma rainha tanto quanto Isabel.
Como vai?, digo para uma cadeira vazia. Faço uma pausa, como se esperasse o pedido de algum favor. Não, de modo algum. Lamento, não poderei ajudá-lo. Já dei esse posto à minha irmã. Ao meu pai, lorde Rivers, acrescenta Izzy. Ao meu irmão Anthony. Tão bonito. Ao meu irmão John, e dei também uma fortuna para as minhas irmãs. Não sobrou nada para o senhor. Tenho uma família grande, diz Isabel, como uma nova rainha na sua fala arrastada e arrogante. E todos eles precisam ser acomodados. Ricamente acomodados. Todos eles, completo. Dúzias deles. O senhor viu quantos entraram no grande salão atrás de mim? Onde poderei achar títulos e terras para todos eles? Nós andamos em grandes círculos, passando uma pela outra com uma indiferença magnífica. E quem é você?, pergunto friamente. Eu sou a rainha da Inglaterra, responde Isabel, mudando a brincadeira sem avisar. Eu sou a rainha Isabel da Inglaterra e da França, recém-casada com o rei Eduardo. Ele se apaixonou por mim por causa da minha beleza. É louco por mim. Enlouqueceu completamente e esqueceu-se dos seus amigos e dos seus deveres. Nós nos casamos em segredo, e agora serei coroada rainha. Não, não, eu era a rainha da Inglaterra, digo, tirando o xaile e virando-me para ela». In Philippa Gregory, A Filha do Conspirador, 2012, A Guerra dos Primos, volume IV, Civilização Editora, 2013, ISBN: 978-972-263-519-6.

Cortesia de CivilizaçãoE/JDACT