sexta-feira, 6 de março de 2020

A Biblioteca Perdida. A. M. Dean. «O restante do dia, se tudo corresse como havia planeado, seria dedicado aos preparativos de uma viagem muito esperada, de Minneapolis a Chicago, de um feriado com o seu noivo»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Alguém sabe quem atirou nele? O ritmo hesitante das palavras de Emily revelava o seu mal-estar. Ainda não podia imaginar porque alguém poderia querer matar Arno Holmstrand. Sem dúvida, o homem era a figura pública mais famosa da universidade, mas também era velho, do ponto de vista de Emily, já tinha os seus setenta e tantos anos. Essencialmente um homem calado, embora excêntrico. Emily não o conhecia bem. Haviam-se encontrado algumas vezes, e Arno fizera ocasionalmente estranhos comentários sobre a pesquisa de Emily (considerava-se uma espécie de direito adquirido que os velhos professores colocassem objecções ao trabalho dos seus colegas mais novos). Mas o relacionamento nunca passara disso. Eram colegas, não amigos. Isso, entretanto, não suavizava em nada o choque. Uma morte no campus, ainda mais um assassinato, não era notícia comum. E Emily sentia um certo apego a Holmstrand, mesmo que fosse mais pela sua admiração pela reputação profissional dele do que por alguma interacção pessoal.
Ninguém sabe de nada, respondeu Jim Reynolds. Os investigadores estão no prédio dele agora. Toda a ala está bloqueada. Vai ser assim o dia todo. Num impulso, Emily tomou outro gole do seu café, mas, dessa vez, o gesto de trazer o copinho até a boca pareceu forçado e óbvio, quase desrespeitoso, como se fosse uma acção normal demais para ser realizada ante uma notícia daquele porte. Não acredito que isso tenha acontecido, disse Maggie Larson, cuja voz ainda denunciava o seu medo. Se alguém estava atrás dele. Ela não terminou a frase. A afirmação apenas insinuada servia para todos: com um colega assassinado, todos se sentiam em perigo.
Um longo silêncio dominou o grupo, e só foi desfeito quando a campainha da escola soou. O próximo período de aulas daquele dia estava prestes a começar; eles trocaram olhares preocupados enquanto saíam em direcção às suas salas e obrigações. A medida que os colegas se preparavam para sair, Emily sentiu um incómodo remorso. Era aceitável simplesmente ir embora, cuidar da própria vida como sempre, depois de uma conversa sobre um colega assassinado? Sem dúvida, alguma coisa precisava ser dita, pelo menos algo para reconhecer a comoção daquele momento. Eu, bem…, sinto muito por Arno.
Foi tudo o que conseguiu dizer. Ficou surpresa com a intensidade da perda que sentia. A reacção emocional que estava experimentando seria mais justificada em relação à morte de um amigo próximo, o que Arno Holmstrand nunca tinha sido. Aileen deu-lhe um sorriso amigável e saiu. Emily, tentando superar o choque, voltou para o seu gabinete, destrancou a sala e entrou no pequeno ambiente. Era incrível como rapidamente o foco de um dia mudava, como um facto trágico podia abalar as pessoas. Até o momento em que ficara sabendo da morte de Arno, estivera concentrada em algo completamente diferente, em imagens de um encontro que teria com o homem que amava. A última quarta-feira antes de um feriado prolongado de Acção de Graças significava apenas uma única aula, a primeira da manhã. O restante do dia, se tudo corresse como havia planeado, seria dedicado aos preparativos de uma viagem muito esperada, de Minneapolis a Chicago, de um feriado com o seu noivo, Michael. Eles haviam-se conhecido quatro anos antes, no mesmo feriado de Acção de Graças. Ele, um inglês estudando na sua terra natal; ela, uma ávida estudante de mestrado fazendo pesquisa no exterior, tentando comunicar a importância da grande tradição norte-americana para os antigos colonizadores, e esse dia para eles se tornou especial.
Mas aquele devaneio feliz tinha sido interrompido bruscamente. O coração de Emily agora estava disparado, a sua adrenalina subindo, desde que soubera da notícia. Mesmo assim, tentou conter o mal-estar e ligou o computador sobre sua mesa. O trabalho do dia não podia ser totalmente abandonado, independentemente do choque. Abrindo o braço, Emily deixou a correspondência que recolhera no escaninho cair sobre a mesa. Com a mente ainda envolvida em pensamentos de assassinato e perda, não notou, a princípio, um pequeno envelope cor de creme que estava entre dois folhetos de cores berrantes. Os seus olhos não captaram a caligrafia estranha e elegante do sobrescrito, nem a ausência de selos ou carimbos, muito menos a falta de indicações de um remetente. O envelope passou despercebido do seu campo de visão e se misturou com todo o resto». In A. M. Dean, A Biblioteca Perdida, 2012, Editora Prumo, 2012, ISBN 978-857-927-298-1.

Cortesia de EPrumo/JDACT