terça-feira, 31 de março de 2020

No 31. O Tempo dos Filipes em Portugal e no Brasil (1580-1668). Joaquim Veríssimo Serrão. «… com o evidente fim de diminuir o papel de João IV, não merece hoje crédito, ainda que seja um facto a determinação que dona Luísa Gusmão pôs no movimento»

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A Guerra da Restauração
«(…) O rei João IV foi aclamado no dia 15 de Dezembro, abrindo a dinastia de Bragança. Foi notável o seu papel ao longo de dezasseis anos, pois soube manifestar uma prudência, muitas vezes concretizada em firmeza, que assegurou o triunfo da causa que nele se personificou. Muitos autores viram em João IV um tímido que apenas teria aceite a coroa por influência da duquesa dona Luísa Gusmão. As hesitações do marido teria ela respondido com a frase que a história celebrizou: antes rainha uma hora do que duquesa toda a vida. Mas esta versão da historiografia liberal, com o evidente fim de diminuir o papel de João IV, não merece hoje crédito, ainda que seja um facto a determinação que dona Luísa Gusmão pôs no movimento. Sendo oriunda da casa ducal de Medina Sidónia, poderia a rainha hesitar na grave opção ou aconselhar prudência ao régio consorte. Pelo contrário, deu o seu caloroso apoio à Restauração, unindo-se pelo espírito ao seu país adoptivo. Quanto ao monarca, soube estar à altura da confiança que nele depositaram os conjurados, identificando-se com os ideais da pátria que assim se tornava novamente senhora do seu destino.
Todo o Reino colaborou no grandioso esforço de que João IV foi o símbolo. Nas Cortes de 1641-1642 exigiram-se novas contribuições em dinheiro, que os três estados aceitaram. As cidades e vilas não olharam a sacrifícios para que a Nação pudesse vencer a grave ameaça. Mas de início não foi total a adesão ao novo monarca, pois nos meados de 1641 descobriu-se uma conjura para o assassinar. Eram seus cabecilhas o arcebispo de Braga, o inquisidor-mor, Francisco Castro, o conde de Armamar, o marquês de Vila Real e, sem provas de colaboração, seu filho, o duque de Caminha. Influenciados por alguns dos seus familiares que viviam em Madrid, deixaram-se arrastar para uma aventura contrária ao rumo natural da Restauração.
A diplomacia de Filipe IV fizera correr na Europa que João IV era rebelde, pelo que teria de sofrer o castigo da traição obrada contra a realeza filipina. Esta versão conquistou muitos exilados que em Espanha se opunham à Restauração. Descoberta a conjura, o monarca tornou-se implacável com os seus inimigos. Pagaram estes com a vida o crime de lesa-majestade em que se deixaram envolver. O jovem Miguel Noronha, duque de Caminha, sem ligação directa na revolta, sofreu as consequências de não haver denunciado o progenitor. O arcebispo bracarense e o inquisidor-mor foram presos na Torre de Belém, onde o primeiro veio a falecer e o segundo, em 1643, a ser perdoado. Por mais alta que fosse a progénie dos acusados, não podia ser diferente a reacção da coroa, a fim de pôr termo a outras tentativas que pretendessem enfraquecer o ideal da Restauração. A hora era de sacrifícios para o Reino e havia que assumi-los por inteiro.

Guerra e diplomacia
A defesa da Restauração orientou-se em dois grandes sentidos: a protecção militar das fronteiras e o envio de embaixadores para as principais cortes europeias. Por um lado, impunha-se reparar os castelos, organizar as tropas e obter armas para enfrentar a iminente invasão do País. Por outro lado, carecia João IV do reconhecimento das outras nações, solicitando os inimigos da Espanha (como a França e os Países Baixos) para a assinatura de tratados de comércio e de amizade. Tão importante como o papel dos militares foi o dos diplomatas, que, em circunstâncias muitas vezes adversas, sustentaram nas capitais da Europa os direitos da Casa de Bragança ao trono. A primeira grande acção militar da Espanha traduziu-se numa vitória para Portugal. Foi o caso de, na Primavera de 1644, se ter concentrado em Badajoz um forte exército para invadir o nosso país. Ao mal sucedido ataque contra Guguela respondeu Matias Albuquerque com uma incursão na Estremadura espanhola que devastou terras e obteve valiosas presas. No prosseguimento dessa ofensiva, Albuquerque derrotou o exército castelhano junto ao Montijo, a cinco léguas da fronteira, no dia do Corpo de Deus de 1644. Antes da batalha, o general exortou as tropas a cumprir o seu dever: no sucesso de hoje consiste a conservação de nossas vidas, a liberdade da nossa Pátria e a opinião da nossa monarquia. [...] A pelejar, valorosos portugueses, que o inimigo vem chegando! A pelejar, que é o mesmo que mandar-vos a vencer». In Joaquim Veríssimo Serrão, O Tempo dos Filipes em Portugal e no Brasil (1580-1668), Edições Colibri, Estudos Históricos, Lisboa, 1994, ISBN 972-8047-58-4.

Cortesia de Colibri/JDACT