quarta-feira, 18 de março de 2020

O Enigma de Compostela. AJ Barros. «A charada que o assassino deixara no corpo do padre não parecia difícil. Ela trazia a dualidade do começo e fim. Mas, dualidade em relação a quê?»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Via Láctea
«(…) Não importa! Se recebermos outra mensagem, teremos duas letras para identificar esse calígrafo. Não existem muitos calígrafos e com esse papel tudo fica mais fácil. Teve, porém, um súbito momento de lucidez, que não demonstrara antes, e compreendeu que não era tão simples. O senhor acha que as novas mensagens serão escritas por calígrafos diferentes? Não sei se serão, se já foram ou de que países seriam esses calígrafos. O detective voltou à charada. O senhor tem ideia do que o texto significa? Ele leu: o Caminho tem um começo e um fim. E como se estivesse apenas pensando em voz alta: o princípio da dualidade. Um começo e um fim ligados por uma linha que os mantém cúmplices. É assim a vida. Ela é um caminho no qual a gente gasta as nossas reservas de energias e emoções. A vida é apenas um intervalo, como o Caminho de Compostela. Não era sua intenção filosofar, mas falava de modo misterioso, e os outros não se atreveram a interromper. A mensagem é clara: o que aconteceu aqui foi apenas o começo. O abade parecia caminhar para o desespero. E qual será o fim? O senhor sabe, tenho certeza disso! Maurício respirou fundo. O medo do padre o contagiou. Olhou para o detective, que também estava impressionado com as suas observações. O fim é sempre um mistério. Mas os senhores me perdoem. Preciso seguir.

Já eram 10 horas quando se livrou do interrogatório e pretendia dormir em Larrasoana, 28 quilómetros adiante. Sabia que era um trajecto difícil, subindo morros e descendo escarpas de pedras lisas, mas estava contente por sair daquele lugar.
O Caminho é um estranho exercício em que as pernas se alegram com a chegada e a alma com a saída. Pensava em ter o mês inteiro para reviver lendas e histórias reais que começaram nos tempos de Cristo, mas agora o Caminho tornara-se uma longa linha de cumplicidade entre um perigo e outro. Gostava de charadas, porque elas ajudam a exercitar o cérebro. A charada que o assassino deixara no corpo do padre não parecia difícil. Ela trazia a dualidade do começo e fim. Mas, dualidade em relação a quê? O começo era Roncesvalles, mas o fim? Onde é o fim? O fim não é em Santiago de Compostela. Não iriam criar um mistério desses para simplificar o fim. No começo não há mistério, apenas revelação. O fim, porém, é uma suprema incógnita.
No que será que vai dar tudo isso? Crimes? Presságios? Charadas? Mistério? Logo no início do Caminho?, pensou, com a testa franzida. Não pode ser. Algo estava errado. O assassino não iria correr o risco de entrar na Colegiata e matar um padre em circunstâncias tão complicadas, apenas para deixar uma mensagem misteriosa. O mais provável é que, por algum motivo, teve de matar o padre e acabou tendo um cenário mais apropriado para semear o medo. Mas o que teria feito o padre para merecer essa morte violenta? Não podia deixar que essas preocupações estragassem a sua peregrinação. Investigação é trabalho da polícia. Estava ali para peregrinar até ao túmulo de São Tiago, o apóstolo do Trovão, irmão de São João, o Evangelista, autor do Apocalipse, e o melhor a fazer era seguir em frente. Não se sabe com precisão a data, mas consta que no ano de 814 foi descoberto na região de Finisterre, na Galícia, um túmulo que, pelas coincidências que apresentava, passou a ser considerado como sendo o túmulo do apóstolo São Tiago». In AJ Barros, O Enigma de Compostela, Luz da Serra, Geração Editorial, 2009, ISBN 978-856-150-127-3.

Cortesia de GEditorial/JDACT