sexta-feira, 6 de março de 2020

Imperatriz Isabel de Portugal. Manuela Gonzaga. «Depois da morte tão inesperada e tão trágica do príncipe herdeiro João, quisera ainda o rei alçar ao trono o bastardo real. Tanto não conseguiu sofrer a rainha, que se opôs a esse plano…»

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Cenas de um casamento imperial
«(…) Não saberemos jamais em que pensava Isabel de Portugal. Mas, inevitavelmente, ter-se-á questionado se conseguiria estar à altura das elevadíssimas funções e que se erguera por casamento, e, naturalmente, se iria agradar ao marido ou se este já teria outro afecto a ocupar-lhe o coração, o que não seria de forma alguma inédito. De ciúmes, bem fundados, padecerá sua avó, a grande Isabel, a Católica, sempre a braços com as constantes infidelidades do muito amado Fernando de Aragão, esse mulherengo sem freio que semeou por Castela e Aragão vários filhos naturais. As crónicas falam do amor entre os esposos, mas não omitem os ataques de cólera que a poderosa rainha, tão dona dos seus actos, não conseguia controlar quando descobria as infidelidades do marido, que, apesar de amar muito a rainha sua mulher, dava-se a outras mulheres. E a Católica, porque amava muito o rei seu marido, era ciumenta em extremo, como o cronista Hernando del Pulgar não se isenta de referir.
De ferozes ciúmes padecera igualmente a sua tia e sogra, a rainha dona Joana, a Louca, cativa de Tordesilhas, quando na sumptuosa e cosmopolita corte da Borgonha, de tão livres costumes, via o volúvel Filipe, conde da Flandres e arquiduque da Áustria, borboletear de dama em dama. Incapaz de se refrear, Joana respondia às constantes infidelidades do marido com incontroláveis ataques de fúria. É célebre o episódio em que, com o coração cheio de raiva, o rosto vomitando chamas e rangendo os dentes, a condessa da Flandres atacou violentamente uma altiva dama da sua corte com quem Filipe, o Belo, andava de amores. De tesoura em punho, Joana cortou o lindo cabelo louro que tanto agradava a Filipe, e às punhadas desfigurou o rosto da rival. Enfurecido com o seu comportamento, o arquiduque insultou e espancou publicamente a mulher, passando depois a ignorá-la, para seu enorme desgosto.
De ciúmes, por infidelidades publicamente comprovadas, sofrera também a sua tia portuguesa, a Rainha Velha, a dona Leonor das Misericórdias, patrona das artes e do teatro português. Mas essa, sublimando as paixões e transcendendo a humilhação, acabara até por criar no paço o franzino dom Jorge que João II fizera em Ana Mendonça. Depois da morte tão inesperada e tão trágica do príncipe herdeiro João, quisera ainda o rei alçar ao trono o bastardo real. Tanto não conseguiu sofrer a rainha, que se opôs a esse plano com todo o seu vigor. Por fim, vencera dona Leonor, a corte e os conselheiros, que, de forma geral, não subscreviam este projecto do rei, e vencera dom Manuel, que chegara ao trono por tão acidentados caminhos. Ou, como diz Damião Góis, Deus permitira que viesse a herança destes reinos ir este felicíssimo rei, por falecimento de oito pessoas que legitimamente o herdavam, se viveram». In Manuela Gonzaga, Imperatriz Isabel de Portugal, 2012, Bertrand Editora, 2013, ISBN 978-972-252-416-2.

Cortesia de BertrandE/JDACT