quarta-feira, 14 de outubro de 2020

A Biblioteca Perdida. AM Dean. «Nossos planos estão seguros. Vamos então cuidar do nosso lado do negócio, e vocês cuidam do seu. Assim, todos ganhamos»

 

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Hines de repente não conseguiu esquecer a pergunta. Quantos anos tem, Mitch? A pergunta pegou o assistente de surpresa. Como? A sua idade. Qual é a sua idade? Forrester lançou-lhe um olhar estranho, o seu desdém velado agora misturando-se a uma confusão intrigada. Se eles estivessem sozinhos, poderia ter respondido com uma demonstração explícita do ódio que estava sentindo, mas estava muito consciente da presença de outro homem no escritório de Hines, alguém sentado no canto, em completo silêncio. Alguém que ele não queria que testemunhasse a sua impertinência. Vinte e seis, respondeu por fim. Vinte e seis, repetiu Hines, soltando um suspiro em reacção àquele número tão baixo. Teria sido ele tão petulante naquela idade? Tinha muito mais que o dobro disso, e sempre fora um sujeito cheio de ambição, mas acreditava que nunca tinha sido tão impetuoso quanto aquele rapaz diante dele. Não sei qual é a relevan… Relevância nenhuma, nenhuma, Hines o interrompeu, indicando com um gesto que deviam mudar de assunto. Ele parou por um instante. Alguma coisa mais? Nada ainda, respondeu Forrester secamente. Assim que recebermos alguma notícia, eu lhe comunico, senhor. Ele deixou que a pausa antes da sua última palavra acentuasse a sua insatisfação pelo modo como fora tratado. Ainda assim, com todo o egocentrismo da juventude, continuou ali parado, esperando algum reconhecimento. Hines, entretanto, simplesmente desviou os olhos dele na direcção das imagens da televisão. Percebendo finalmente que não conseguiria mais nada, o assistente se virou e saiu da sala.

Hines esperou uns bons 30 segundos em silêncio antes de virar a cabeça na direcção do homem sentado no outro canto de seu escritório. Embora estivesse acostumado há muito tempo com o serviço que esses homens faziam para a organização, ainda sentia uma ponta de nervosismo quando estava realmente sozinho com um deles. Seu papel na organização sempre fora diplomático, profissional. Nunca tinha feito o serviço sujo. Aquela era uma dimensão vil, mas essencial, da causa deles. Embora muitos no mundo o considerassem um indivíduo de grande influência, Jefferson Hines sabia que o homem sentado a poucos passos da sua mesa representava um poder muito maior que qualquer poder que ele jamais teria.

Acha que as coisas estão ligadas?, perguntou ele finalmente, apontando para o arquivo na sua mesa e depois para o televisor mudo. Ligadas à missão? Claro! Os dois homens não falavam do plano em nenhum outro termo a não ser a missão. Naquela cidade, e no seu escritório, era quase certo que as paredes tivessem ouvidos. Mas não deixe que isso o desestabilize. Vamos manter o curso das acções. Hines não estava satisfeito. Isso nunca foi discutido. Marlake, Gifford…, o resto; esse era o plano. Que diabos se está passando na Inglaterra? O outro homem se endireitou na cadeira enquanto Hines falava. Ele lhe lançou um olhar que nã deixava dúvidas sobre seu significado: cale a boca. Nomes nunca deveriam ser mencionados. Hines percebeu o olhar e a sua mensagem, batendo os dedos na mesa, meio irritado, meio ansioso. Diga-me que esperávamos reacções como essa, disse ele. Diga-me que nada disso é surpresa. Se o outro homem hesitou antes de responder, não havia demonstrado. Tinha o ar de um homem que desejava exalar confiança, e queria que o seu interlocutor permanecesse forte e imperturbável. Nossos planos estão seguros. Vamos então cuidar do nosso lado do negócio, e vocês cuidam do seu. Assim, todos ganhamos.

Fez uma pausa para que suas palavras permanecessem no ambiente pesado entre os dois. Não perca o seu alvo de vista. Apesar do medo instintivo que sentia daquele homem, Hines se sentiu mais tranquilo com aquela aparente certeza. Soltando um longo suspiro, recobrou a sua postura. Homens de estado deviam ser fortes, e ele estaria à altura da sua tarefa. Bom. Então suponho que devo falar-lhe amanhã? O outro homem fez que sim com a cabeça, levantando-se da sua poltrona. Isso mesmo, sr. vice-presidente». In AM Dean, A Biblioteca Perdida, 2012, Editora Prumo, 2012, ISBN 978-857-927-298-1.

Cortesia de EPrumo/JDACT

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