segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Adeus até ao Meu Regresso. Jorge Serafim. «Acreditei nos dias das flores em punho e parece-me que os de hoje não têm lembrança. Que a memória já não conta…»

jdact

«Queria descobrir o teu lenço na multidão e não conseguia.

Pareciam um bando de pombas brancas acenando para a guerra.

Que ironia…

Atravessei um oceano para chegar a tanta dor.

Para quê?

Levei saudades em todo o corpo que tenho,

trouxe silêncios da cabeça até aos pés.

O que vivi encolheu-me a fala.

Adeus até ao meu regresso

Partimos sempre meu amor! Partimos sempre!

Acreditei nos dias das flores em punho

e parece-me que os de hoje não têm lembrança.

Que a memória já não conta…

Partimos porque a fome não despega, a terra não germina,

a miséria é mais um à mesa e o sol só nasceu para meia-dúzia.

Atravessamos a esperança num barco e atracamos sem conhecer destino.

Sonho que se encomende…

Onde estavas a acenar-me»

Adeus até ao meu regresso

Tento perceber o teu lenço.

Tento perceber o teu lenço no meio de tanta gente.

A tua barriga sendo mãe, o meu tempo não sendo pai.

A minha lonjura permanente.

Doem-me os dias que não mudam

As dores actuais iguais às de antigamente.

Tantos que o mar ainda come, a guerra, sempre a guerra,

colhendo vidas em qualquer parte.

Onde ficaste a desenhar no ar uma pomba branca?

Adeus até ao meu regresso»

Poema de Jorge Serafim

In Os Fabulosos Tais Quais, Edição Sony Music Portugal, 2015.

Cortesia de ESMusicPortugal/JDACT

Jorge Serafim, JDACT, Poesia, Alentejo,