terça-feira, 27 de outubro de 2020

Guerras Climáticas. Harald Welzer. «… eles fossem sacrificados pela natureza da sua própria terra. O deserto sem água de Omaheke completou o que as armas alemãs haviam iniciado: a aniquilação da tribo dos Hereros»

Cortesia de wikipedia e jdact

Porque mataremos e seremos mortos no século XXI

«(…) Na verdade, foram os Hereros que iniciaram a guerra contra a administração colonial alemã, durante a noite de 11 para 12 de Janeiro de 1904, começando por destruir uma linha de caminho-de-ferro e derrubar grande quantidade de postes telegráficos e continuando pelo massacre de surpresa de 123 trabalhadores alemães ainda adormecidos nas fazendas. Após algumas tentativas inúteis de apaziguamento da luta, o governo real de Berlim enviou o general-de-divisão Lothar von Trotha para comandar as tropas coloniais alemãs. Von Trotha adoptou desde o início o conceito de uma guerra de extermínio, de acordo com o qual ele não procurou simplesmente vencer os Hereros por meios militares, mas os impeliu para o extermínio no deserto de Omaheke, onde ocupou todas as nascentes de água, provocando pura e simplesmente a morte de seus adversários pela sede. Esta estratégia foi tão bem-sucedida quanto fora cruel; foi relatado que os sedentos cortavam as gargantas de seus animais para beber-lhes o sangue e que finalmente esmagavam osseus intestinos para deles retirar os últimos restos de humidade. Não obstante, acabaram morrendo. Mas a guerra prosseguiu, mesmo depois de os Hereros terem sido aniquilados; determinou-se que os Namas, uma outra etnia, deveriam ser desarmados e subjugados enquanto as tropas alemãs ainda se encontrassem no território. Diferentemente dos Hereros, os Namas não ofereceram combate aberto, mas se limitaram a um combate de guerrilhas, que se tornou um grave problema para as tropas coloniais, que adoptaram, por sua vez, uma estratégia diferente, a qual logo seria imitada com frequência ao longo do mortífero século XX: para retirar dos guerreiros os recursos sobre os quais se apoiavam, os alemães assassinaram as mulheres e filhos dos Namas ou os encerraram em campos de concentração.

A violência foi realizada sob a pressão das circunstâncias e produziu as suas consequências. Estas permaneceram, originaram novos meios de aplicação da violência, que se foram tornando tanto mais amplos quanto mais eficientes se demonstravam. Isto porque a violência é inovadora: ela gera novos meios e encontra novas proporções. As tropas coloniais alemãs, não obstante, tiveram de combater os Namas durante mais de três anos. Além disso, nem todos os campos de concentração permaneceram sob controle do governo; também empresários privados, como a empresa de linhas marítimas Woermann, estabeleceram os seus próprios campos de trabalhos forçados. Esta guerra de extermínio não foi somente um exemplo da impiedade da violência colonial, como um modelo para os genocídios futuros, por meio de seu propósito de total eliminação, cumprido pelo internamento nos campos estabelecidos, que significavam uma estratégia de extermínio por meio dos trabalhos forçados. Todos já ouvimos contar a história das suas consequências; o Departamento I dos escritórios do Estado-Maior, encarregado de redigir a história da guerra, escreveu orgulhosamente, em 1907, que nenhum esforço, nenhuma privação foram poupados para que os inimigos fossem privados dos últimos vestígios de sua capacidade de resistência, pois metade deles foi morta nas regiões desérticas pela captura progressiva de todos os poços de água, até que, finalmente, sem mais energia, eles fossem sacrificados pela natureza da sua própria terra. O deserto sem água de Omaheke completou o que as armas alemãs haviam iniciado: a aniquilação da tribo dos Hereros.

Isto se passou há cem anos; desde então, as formas de violência se modificaram, nem tanto na sua forma e aspecto, mas na maneira segundo a qual são referidas. O Ocidente não costuma mais, salvo em casos excepcionais, empregar violência directa contra outros estados; as guerras são hoje empreendimentos realizados por longas cadeias de acção e numerosos actores, por meio dos quais a violência é delegada e se torna informe e invisível. As guerras do século XXI são pós-heróicas e apresentadas como sendo conduzidas de má vontade pelas nações que as empreendem. E no que se refere ao orgulho nacional por ter sido alcançada a aniquilação de tribos selvagens..., isto é coisa que, desde o holocausto dos judeus, se tornou impossível mencionar». In Harald Welzer, Guerras Climáticas, Porque mataremos e seremos mortos no século XXI, LeLivros, Geração Editorial, 2010, Wikipedia.

Cortesia de LLivros/GeraçãoE/JDACT

Harald Welzer, JDACT, Clima, Conhecimento,