sábado, 30 de abril de 2022

A Roda do Tempo. O Olho do Mundo. Robert Jordan. «Tam franziu a testa para ele por cima do dorso de Bela. Tudo bem com você, rapaz? Um cavaleiro, disse Rand sem fôlego, aprumando-se»

Cortesia de wikipedia e jdact

Uma Estrada Deserta

«(…) Dois barris pequenos do conhaque de maçã de Tam seguiam na carroça sacolejante e oito barris maiores de sidra, levemente forte depois de fermentar ao longo do Inverno. Tam entregava a mesma carga todos os anos à Estalagem Fonte de Vinho, para uso durante o Bel Tine, e afirmara que seria preciso mais do que lobos ou um vento frio para impedi-lo nessa Primavera. Mesmo assim, eles haviam passado semanas sem ir à aldeia. Nem Tam viajava muito naqueles dias. Mas dera a palavra a respeito do conhaque e da sidra, apesar de ter esperado até a véspera do Festival para fazer a entrega. Manter a palavra era algo importante para Tam. Rand estava simplesmente contente por sair da fazenda, quase tão contente quanto pela chegada do Bel Tine. Enquanto Rand vigiava seu lado da estrada, crescia nele a sensação de estar sendo observado. Durante algum tempo tentou ignorá-la. Nada se movia nem fazia qualquer ruído entre as árvores, a não ser o vento. Mas a sensação não apenas persistiu; ela aumentou. Os pelos dos braços se arrepiaram; a pele formigou, como se coçasse por dentro. Irritado, ele mudou o arco de posição para coçar os braços e disse a si mesmo que não deixasse se levar por fantasias. Não havia nada na floresta  no seu lado da estrada, e Tam teria avisado se houvesse alguma coisa do outro. Ele olhou por cima do ombro…, e piscou. A menos de vinte braças atrás deles na estrada uma figura a cavalo, coberta por um manto, os seguia, cavalo e cavaleiro negros, escuros e sombrios.

Foi mais o hábito do que qualquer outra coisa que o fez caminhar de costas ao lado da carroça enquanto olhava. O manto do cavaleiro o cobria até a ponta das botas, o capuz bem puxado à frente de modo a não mostrar nenhuma parte do rosto. Rand pensou vagamente que havia algo de estranho no cavaleiro, mas era a abertura ensombreada do capuz que o fascinava. Ele só conseguia ver traços vagos de um rosto, mas tinha a sensação de que estava olhando bem nos olhos do cavaleiro. E não conseguia desviar o olhar. Sentiu o estômago embrulhar. Só podia ver sombras sob o capuz, mas sentia um ódio tão agudo quanto se pudesse ver um rosto enfurecido, um ódio por todas as coisas vivas. Ódio por ele principalmente, por ele acima de todas as coisas. De repente, uma pedra bateu no seu calcanhar e ele tropeçou, os olhos se desviando da figura negra. Seu arco caiu na estrada, e apenas a mão estendida que agarrou os arreios de Bela evitou que ele se estatelasse de costas no chão. Resfolegando de susto, a égua parou, girando a cabeça para ver o que a havia detido.

Tam franziu a testa para ele por cima do dorso de Bela. Tudo bem com você, rapaz? Um cavaleiro, disse Rand sem fôlego, aprumando-se. Um estranho nos seguindo. Onde?, Tam ergueu a lança de lâmina larga e olhou cautelosamente para trás. Ali atrás na… As palavras de Rand morreram quando ele se virou para apontar. A estrada atrás deles estava deserta. Sem acreditar, ele olhou para a floresta que ladeava a estrada. As árvores de galhos nus não ofereciam esconderijos, mas não havia o menor vestígio do cavalo nem do cavaleiro. Ele deu com o olhar questionador de seu pai. Ele estava ali. Um homem de manto preto, num cavalo preto.

Eu não duvidaria de sua palavra, rapaz, mas para onde ele foi? Não sei. Mas estava ali. Ele pegou o arco e a flecha caídos, verificou apressadamente as aletas antes de recolocar a flecha no encaixe e puxou a corda até a metade antes de deixá-la relaxar. Não havia nada em que mirar. Estava, sim. Tam balançou a cabeça grisalha. Se você diz, rapaz. Vamos. Um cavalo deixa marcas de cascos, mesmo num terreno destes. Ele começou a se encaminhar na direcção da traseira da carroça, o manto drapejando ao vento. Se as encontrarmos, vamos saber com certeza que ele esteve ali. Se não…, bem, dias como estes fazem um homem achar que está vendo coisas. Subitamente Rand percebeu o que havia achado estranho no cavaleiro, além do facto de ele simplesmente estar ali. O vento que o fustigava e a Tam não havia deslocado uma dobra sequer daquele manto negro. Rand sentiu a boca ficar seca de repente. Devia mesmo ter imaginado aquilo. O pai estava certo: era uma manhã do tipo que mexia com a imaginação de um homem. Mas ele não acreditava nessas coisas. No entanto, como poderia dizer ao pai que o homem que aparentemente havia desaparecido em pleno ar vestia um manto intocado pelo vento?» In Robert Jordan, A Roda do Tempo, O Olho do Mundo, 1990, Editora Intrinseca, 2013, ISBN 978-858-057-362-6.

Cortesia de EIntrinseca/JDACT

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